António Pinheiro

Profissional de marketing, músico e corredor por prazer. Corre na estrada, no monte e de um lado para o outro na vida, atrás e à frente dos filhos.

“Desfolhando Cantigas” – Manuel Ribeiro da Silva

Maio 26th, 2021

(texto inicialmente publicado no Facebook, a 11 de Abril de 2021)

 

Confesso que já fui um snob que desdenhava rapsódias. Principalmente, porque grande parte das bandas as tocava “meia bola e força”, “bota e vira, Zé Vieira”. O que até se compreendia, dado que a rapsódia sai mesmo no fim da festa e não há embocadura para grandes cuidados.
Mais ou menos a partir de 2011, comecei a recuperar o gosto pelas rapsódias, principalmente estas mais antigas de Manuel Ribeiro da Silva. Aliás, a triologia “Aguarela Popular” (a rapsódia com o melhor “Malhão” de sempre), “Portugal a Cantar” e, claro, “Desfolhando Cantigas”, são tratados de como manter o público “preso” durante 20 minutos, mesmo durante as secções centrais de Fado, mesmo com orquestrações simples, sem grandes filigranas.
“Desfolhando Cantigas” é “a” Rapsódia. Tem tudo. E até tem cor e cheiro. Cheiro a Minho, a Arraial, a Coreto, a Romaria. Tem a cor dos Cabeçudos e das Procissões, das ruas ornamentadas, das flores pelo chão.
Aqui há anos, questionei o José Ricardo Freitas sobre a forma empolgada como dirige isto e ele respondeu emocionado: “Porque isto é o que eu sou, eu sou do Minho, eu cresci com bombos e cabeçudos!” (mais coisa, menos coisa, entre uns goles de cerveja, enquanto passava por nós o cortejo etnográficos das Feiras Novas, em Ponte de Lima…).
Porque hoje é Domingo, não podia ser outra coisa.

P.S. – Aqui há anos, estava eu a tocar tenor e tinha atrás de mim o Paulo Marques. Já era quase meia-noite e diz o Maestro “Desfolhando Cantigas”. O Paulo refilou, mas fez um espectacular solo de bombardino. Acho que nunca mais me vou esquecer.

“La France” – Briot

Maio 25th, 2021
(texto inicialmente publicado no Facebook, a 10 de Abril de 2021)
Não… nem tudo são rosas ou memórias doces… Hoje, partilho convosco uma espinha na minha garganta filarmónica.
Depois de obras ligeiras, uma marcha de concerto, uma zarzuela, queria inserir nesta rúbrica um calhau mas, a verdade, é que os calhaus permanecem vivos e a fzer furor. Não encontrei, assim de repente, uma calhausada que esteja no esquecimento. É certo que já há bandas a abdicar das transcrições de orquestra e do reportório mais “clássico” mas, no geral, acho que 1812, Tannhouser, Rienzi, Inferno, Juízo Final, Capricho Italiano, ainda andam por aí bem pujantes.
Contudo, lembrei-me da “La France”, obra de um tal de Briot, que toquei inúmeras vezes, a maior parte delas contrariado. Quando o maestro dizia “La France”, “La France Suite”, ou “Suite La France”, estragava-me o dia.
Supostamente, é uma suite, mas mais parece algo como “variações sobre a Marselhesa”.
Era (e acho que ainda é) usada como abertura, principalmente por bandas que não tinham arcaboiço para tocar os calhaus mais pesados. Ou então, estava na capa para encher reportório ou para uma emergência.
À distância, continuo a achar a obra aborrecida, mas partilho pelo seu valor nostálgico e simbólico, no panorama filarmónico do século XX.

“La Leyenda del Beso” – Soutullo y Vert

Maio 25th, 2021
(texto inicialmente publicado no Facebook, a 9 de Abril de 2021)
Toda a gente aprecia uma boa espanholada. Sabe bem uma boa espanholada, principalmente no concerto da noite, antes de a coisa virar para o ligeiro.
“A Lenda do Beijo” deve ter sido das espanholadas mais tocadas e, felizmente, ainda se ouve por aí. Mas a tradição da espanholada tem-se perdido um bocadinho e isso deixa-me triste.
Nos anos 90 era mais frequente ouvirmos obras como “La Torre del Oro”, “La del Soto del Parral”, “As Bodas de Luis Alonzo”, “Aires Andaluces” ou as “Malagueñas” (não tenho a certeza que este fosse o título principal), peça óptima para exibir um trompetista virtuoso.
Nos últimos anos, este género de reportório tem sido substituído por obras mais “comerciais” dos compositores da moda da vizinha Espanha. Honestamente, apesar de serem obras com impacto, não me caem no goto, porque soam todas iguais. Os mesmos ostinatos, os mesmos recursos orquestrais… encontramos compassos exactamente iguais em diferentes obras do mesmo compositor. Mas isso são outros quinhentos.
Vamos aproveitar esta espanholada…
(não exagerei no uso da palavra “espanholada” pois não?)

“Ares de Espanha” – Ilídio Costa

Maio 25th, 2021
(texto publicado originalmente no Facebook, a 8 de Abril)
Carreguem no play e fechem os olhos. Tarde de Agosto, sol, calor, mangas arregaçadas, colarinhos abertos, o almoço ainda não foi totalmente digerido. Burburinho no público, carros de choque ao fundo, povo que chega para a procissão e, de repente, TA-DAAAAAAAAA, solta-se a furiosa anacruza dos “Ares de Espanha”, pasodoble bem português, ou marcha de concerto, que serve de andor a um melódico solo com cadenza de trompete, à guisa da vizinha Espanha.
Em finais dos anos 90, se eras “atacado” com “La Virgen de La Macarena”, só podias responder com a icónica marcha de Ilídio Costa. A coisa não podia ficar por menos.
Todos nós, filarmónicos, mesmo quem não aprecia as suas obras, mesmo quem, num passado recente, teceu comentários pouco educados sobre ele, devemos muito a Ilídio Costa. Pouco antes do país entrar em confinamento, tive o prazer de ser ensaiado e dirigido por ele e, acreditem, todo ele É Música. Mas, sobre isso, falarei noutra altura.
O importante, agora, é desfrutar da sua música, infelizmente, cada vez mais relegada para o fundo das pastas e dos arquivos.
É verdade que, actualmente, há muita variedade neste estilo de reportório, mas os “Ares de Espanha” continuam a ser um marco que merecia ser tocado mais vezes.

“Pop Show n.º 4” – Amílcar Morais

Maio 25th, 2021

(texto publicado originalmente no Facebook, a 7 de Abril de 2021)

Foi em 1974 que Amílcar Morais compôs o “Pop Show N.º1”, iniciando uma série de obras que iriam mudar o paradigma das bandas filarmónicas em Portugal.
A olho nu, o quarto opus desta série terá sido, eventualmente, o mais tocado, até romper as folhas e reunia temas dos The Pogues, Jean Michel Jarre e Vangelis, e mais um ou outro que nunca consegui identificar. Não interessa. Soava e soa muito bem!
O “Pop Show N.º 4” tem a particularide de ter uma “extended version” (aqui partilhada) que inclui o filarmonicamente célebre “Garotas, garotas”.
Com a revolução que o reportório bandístico levou nas últimas duas décadas, isto caiu para o fundo das pastas e depois para o fundo dos armários de arquivo, mas continua a ser uma obra que “cheira a arraial”.

“Bee Cee Bee Gee” – Terry Kenny

Maio 25th, 2021

(texto publicado originalmente no Facebook a 6 de Abril de 2021)

B.C.B.G. significa “Bon Chic Bon Genre”, um termo aplicado às meninas ricas e elegantes. Em Português seria “As Fozeiras”.
A música descreve os principais acontecimentos de um dia na vida de uma dessas “jovens glamourosas”.
De manhã, passear no shopping, a tarde é passada preguiçosamente na praia e à noite perder a cabeça (e não só) na discoteca.
Nota-se que isto já tem uns anos… ???

No Porto só festejamos títulos

Maio 17th, 2021

(mesmo quando não nos deixam… outros têm melhor sorte)

É esta uma das maiores Heranças da História Nobre de uma Cidade com mil anos, Invicta, cujo brasão “abençoado” o Clube orgulhosamente ostenta. O Clube, um dos baluartes de um Povo (“aqueles lá do Norte”) que, em pleno século XXI, ainda tem que gritar para ser ouvido. No Desporto, na Política, na Economia, num país demasiado pequeno para ser tão inclinado. Outros quinhentos, ou não.

 

Por aqui, ser segundo não é opção. É igual a ser último.

 

“É azia”. Sim, muita azia e quem não sente azia “não é bom chefe de família”. Não é mau perder. É ficar chateado (para não dizer outra coisa) por perder. Essa azia, acaba por ser o motor dos vencedores, ou, dos que ganham mais vezes.

 

É assim que os portistas se sentem quando perdem. Como se fossem o último, como se descessem de divisão para o 9º Círculo do Inferno. E, depois de cair, queremos logo levantarmo-nos e levar tudo à frente. É o célebre “Grito de Revolta” de 2010/2011, último campeonato do Porto que me “soube bem”, como uma boa francesinha, ou pratada de tripas. André Vilas Boas, ainda a meio dos festejos dizia “agora, vamos ser campeões sem derrotas” e foi. A diferença entre os que perdem de vez em quando e os que ganham de vez em quando.

 

A partir daí, é tudo tremoço.

 

2020/2021.

 

Porto, clube sitiado (como foi sitiada a Cidade pelas autoridades, aquando dos festejos do título passado): pelo plantel dos 100 milhões, pelo Jesus que nos ia fazer “borrar de medo”, pelas “Varandas” da antiga bazófia marialva, pelo cinismo da falsa modéstia e por uma comunicação social ao serviço da Segunda Circular.

 

Até os auto apelidados “Guerreiros” (lol) do Minho, resumiram a sua “promissora” época a 3 jogos com o Porto no início do ano. Em campo, jogaram como cães raivosos, sedentos de sangue. Pouco tempo depois, pouco mais foram que caniches inofensivos. Entrem, entrem… “mi casa es su casa.” Caiu a máscara a Carvalhal.

 

O Porto, equipa esfrangalhada, pelos jogos de 3 em 3 dias, pelas entradas assassinas dos adversários, pela exigência de alguém ter que representar Portugal decentemente lá fora.

 

E, quando Portugal em coro declarava amor incondicional à Juventus das “Dolores” desta vida, Sérgio Oliveira deu um pontapé na inveja lusitana e meteu-a (a bola) lá dentro. O mesmo Sérgio Oliveira que dias antes tinha sido arrastado na lama pela imprensa. 

 

Como foi e continua a ser Francisco Conceição, que até na Selecção Nacional é gozado pelos do costume. Abutres.

 

Abutres que amplificavam ao infinito uma agressão a um jornalista, por alguém que nem funcionário do clube é. 24 horas depois de, em Braga, um funcionário de um dos clubes de “Lisbon”, erguer-se em fúria para agredir um sexagenário. Mas isso, os abutres fingiram não ver. Passou. Acontece.

 

Enquanto isso, a imprensa estrangeira continuava a elogiar o Porto, colocando-o como merecedor das meias-finais da Champions. E, por falar em Champions, não deixa de ser engraçado que a única equipa que bateu o pé aos dois finalistas britânicos foi o mal amado Porto. “Contra os Bretões, marchar, marchar”, dizia a versão original do nosso Hino.

 

Trambolhão, atrás de trambolhão, o Porto viu um jogador seu sair de ambulância do relvado e outro ser expulso porque, pasme-se, rematou à baliza. Curioso desporto este, de 90 minutos, onde tantos jogos são ganhos nas horas extra. É a resiliência. A estrelinha, o querer, a vontade.

 

O primeiro lugar até ficou perto, para espanto e fúria do Terreiro do Paço e dos avençados arautos. Então, a Santa Aliança saiu das sombras e todos perceberam o desígnio nacional de ter “Lisbon” no topo.

 

Mas quem cai, por vezes, fica no chão a atrapalhar e nem uma mal ensaiada peça de teatro no teatro da Luz, também conhecido como Salão de Festas, local com crónicos problemas de iluminação e canalização, impediu os “Andrades” de figurarem no segundo lugar, a meter nojo. Tanta discussão sobre a guarda de honra e esta foi feita ao contrário.

 

No Porto só festejamos títulos (mesmo quando não nos deixam… outros têm melhor sorte).

 

Mas, depois de uma época que foi uma guerra constante, este segundo lugar é um milagre.

 

E, se os portistas pensam que acabou, desenganem-se. Está apenas a começar… 

O meu carro cheira a comida

Janeiro 21st, 2021

O meu carro cheira a comida, porque é lá que posso e tenho que almoçar.

O meu carro cheira a comida, porque vi a tristeza e o desespero nos olhos do proprietário do pequeno café onde normalmente almoçaria, o esforço que faz, há meses, para manter o seu negócio aberto e os postos de trabalho.

O meu carro cheira a comida, porque o trabalho que, entre Março e Maio fiz em casa, que aos fins de semana faço em casa, que nas férias faço em casa, “não é susceptível de ser realizado em teletrabalho”.

O meu carro cheira a comida, porque houve “Avantes”, peregrinações, congressos e jantares.

O meu carro cheira a comida, porque no Natal ouvi gente orgulhosamente a dizer que ia ter a casa cheia e no ano novo vi fotos, vídeos e “lives” que me deram a volta ao estômago.

O meu carro cheira a comida, porque ainda há negacionistas e chalupas que insistem em dizer que isto é tudo uma farsa.

O meu carro cheira a comida, porque ainda há quem prefira por as culpas no Governo, no PR, em Deus e no Diabo, enquanto se recusa a fazer a sua parte.

O meu carro cheira a comida, porque ainda há quem se ache a cima da lei.

O meu carro cheira a comida, porque seja qual for a regra, todos procuram contorná-la em vez de cumpri-la.

O meu carro cheira a comida, porque… ninguém quer saber, ou então só quer saber de si.

O meu carro cheira a comida…

…talvez deixe de cheirar a comida quando for proibido ficar em casa.

António Pinheiro

Profissional de marketing, músico e corredor por prazer. Corre na estrada, no monte e de um lado para o outro na vida, atrás e à frente dos filhos.