António Pinheiro

Profissional de marketing, músico e corredor por prazer. Corre na estrada, no monte e de um lado para o outro na vida, atrás e à frente dos filhos.

Até quando?

Outubro 5th, 2021

Vestiu-se sozinho depois de (mais) um amor que não aconteceu. Como tantos outros.

Diz-se que antes do sexo, cada um despe o outro, mas no fim cada um tem que se vestir sozinho.

E a dor de ter que se vestir depois de algo que não aconteceu?

Foi (é) assim tantas e tantas noites.

O Netflix, o Instagram, ocupam as mãos e dos olhos que deviam estar ocupados com ele.

Na boca, um infinito “não” onde deveria estar um “mais”.

Até quando?

Ele não sabe. Já quis desistir, mas volta sempre. Como uma droga. Pesada.

Todos os dias pensa “hoje não”, mas todos os dias lança os dados, sabendo que vai perder.

Depois chora. Sozinho. 

Chora pelo não, pelo tempo perdido, pelo tempo passado. Chora por continuar a injectar-se com uma droga que o destrói mas não consegue largar.

Chora por ele. É feio? Não é atraente? Cheira mal?

Chora porque sabe que vai continuar a chorar.

Até quando?

 

 

CONVÉNIO – Os Párias

Novembro 21st, 2020

– Quem era a Velha?

David estava de novo perante Pôncio e, invertiam-se os papéis, fazendo ele as perguntas.

– Já vi que as Esferas nunca te falaram dos Párias. Como deves calcular, a Lux e a Convénio nem sempre conseguiam localizar e identificar todos aqueles que são como nós. Por muitos motivos…

– Então, essas pessoas, não compreendendo o poder que têm, dedicam-se a ser videntes, bruxos, feiticeiros…

– Certo. E havia também aqueles que se recusavam a servir as nossas causas.

– Esses, vocês retiravam de cena… E a Convénio?

– A Convénio limitava-se a neutralizar essas pessoas. Vocês são, ou eram, demasiado bonzinhos para matar alguém… Até tu e os teus amigos aparecerem…

Tudo, agora, fazia sentido para David. Ao longo de anos tinha tirado a vida a centenas de inocentes.

Pôncio continuou:

– Mas nesse dia, ou noite, tu eliminaste mais um Pária, algo que até agradecemos.

– O Padre.

– O Padre.

Convénio – Os primórdios

Novembro 14th, 2020

Uma tarde de chuva miudinha, que lhe toldava a visão através dos vidros do carro.

Acendeu um cigarro, marimbando-se para os efeitos nefastos na sua saúde, agora que se sentia indestrutível.

Olhava fixamente para aquela casa, igual a tantas outras. Tristemente revestida a azulejos, não faltando a icónica Nossa Senhora de Fátima com os 3 Pastorinhos.

“Ridículo… irónico…”, pensou, expelindo mais uma nuvem de fumo.

Centrou-se nos rostos tristes que usavam a garagem exterior como sala de espera. A dona de casa que via o marido esbanjar dinheiro em álcool e prostituição; a idosa que procurava cura para as artroses; a jovem que queria proteger o namorado dos olhares das outras…

Pessoas que desistiram da vida, de ser alguém, para procurar no oculto a resposta para os problemas que só elas poderiam resolver.

Mas a culpa nunca é nossa, é da Vida, do Destino, do Mau Olhado, do Bruxedo…

Então recorriam à Velha, que com meia-dúzia de rezas, lhes prometia o fim do Calvário. No final, “a pessoa dá o que quer e o que pode.”

“Mais valia gastar mesmo o dinheiro em gajas e vinho”, disse para consigo.

Ele próprio também tinha sido levado à Velha, “para ver se estava tudo bem”. Teve que fazer um enorme esforço para não desatar a rir, da primeira vez. Nas outras vezes sentiu apenas ódio, por todo aquele circo.

E estava na hora do espectáculo terminar.

Olhou para o banco do pendura e viu-a pela primeira vez. A primeira de muitas da sua colecção. Chamou-lhe Helena.

A lâmina prateada parecia ter um brilho próprio, uma alma. Falava com ele. A pega, estilo sabre, ajustava-se perfeitamente à sua mão.

E, como apareceu, desapareceu.

Saiu do carro, ignorando a chuva.

Entrou no pátio e esperou.

Minutos depois, ao cimo das escadas a porta abria-se. Uma mãe com duas crianças pequenas pela mão, com dificuldades na escola. Em vez de lhes dar livros para as mãos, ou incentivá-las a estudar, em vez de as mandar para o campo lavrar, aquela mulher achava que as crias seriam inteligentes por artes mágicas.

Esperou que terminassem de descer a escadaria e subiu. Ergueu uma mão e os protestos que iriam sair das bocas que o rodeavam ficaram presos.

“Boa! Não quero chatisses.”

“É a sua vez?”, perguntou desconfiada a filha da Velha, que era também secretária e recepcionista.

Mas também ela ficou muda e paralizada.

Virou à esquerda em direcção à sala de estar, que era também consultório. As prateleiras do mobiliário estavam repletas de imagens de santos, velas, pagelas e demais ornamentação mística.

“Foi o Pôncio que te mandou cá?”

“Quem?”

“Não és do Pôncio. És das Esferas. Não sabia que agora a Convénio contratava assassinos. Vá… faz o que tens a fazer.”

David hesitou. As Esferas conhecia, mas quem era o Pôncio? Como é que aquela Velha conhecia a Convénio?

“Que se lixe!”

E, no momento seguinte, a cabeça da Velha jazia separada do corpo.

E, como apareceu, desapareceu. Helena tinha cumprido a sua primeira missão nas mãos de David.

Ao passar pela filha da Velha, levantou uma mão e disse “a sua mãe precisa de si.”

Desceu as escadas, calmamente, enquanto um grito lancinante vinha do interior da casa.

Olhou novamente para aquela gente. Sussurrou-lhes pequenos conselhos ao ouvido.

Ao entrar no carro, levantou a mão e cada um foi à sua vida.

Arrancou. À noite, Helena viria de novo. Desta vez, o Padre.

CONVÉNIO – A Nova Convénio

Agosto 1st, 2020

Regressaram ao salão. Todos ocuparam novamente os seus lugares, incluindo Ester e a chorosa Míriam. “Mais valia que me tivesse matado.”

“Se vocês estavam, novamente, no Palácio da Convénio, o que foi que nós destruímos?”

“O Palácio da Convénio. O edifício é um ser vivo. Respira. Move-se, transforma-se, aparece, desaparece e auto-regenera-se. É verdade que nós na altura não sabíamos disso.

Fomos lá ter desesperados, em fuga, pela única saída que encontramos. Aquela era a Sala de Comando. Com as tais duas paredes de vidro por onde podíamos ver o Salão Principal do Palácio e outras quatro paredes, cada uma com uma mesa encostada, cada mesa com uma cadeira de executivo e um terminal de computador. Ficamos ali um pouco meio perdidos, sem saber, ao certo, onde estávamos e o que fazer. Até que as quatro paredes desmaterializaram-se numa espécie de ecrã, ou tela, como num cinema e lá no meio apareceu uma personagem conhecida.”

“Quem?”

“O Saúl.”

David fez uma pausa para um gole na sua bebida e reacender o cachimbo.

“O Saúl que tinha morrido no ataque…”, atirou Pôncio em jeito de pergunta.

“Ainda hoje não sei se esse gajo é morto, ou vivo. Estive com ele há algumas horas, antes de ter vindo para aqui.”

“Antes de te termos capturado.”, corrigiu Pôncio.

“Antes de eu me ter deixado capturar.”

“Seja. E a partir daí?”

“Saúl apresentou-se como a Memória da Convénio. Explicou-nos que éramos os únicos sobreviventes do ataque e que deveríamos dar início à Nova Convénio.”

“Mas como? Quatro recrutas inexperientes?”

David interrompeu bruscamente:

“Que te foderam a vida durante anos e um deles ainda aqui está, à tua frente, rodeado de gente que está com medo do que possa acontecer se eu estalar os dedos!”

Foi a vez de David perder a postura. Começava a ficar cansado. O dia ia longo e precisava urgentemente de umas horas sozinho para se recompor e recuperar o controlo da situação. Ansiava, agora, que o mandassem de volta à cela.

“Devo admitir que tens razão.”

Os oponentes tratavam-se agora por tu. Eram, de facto, velhos conhecidos e não havia mais razões para cerimónias.

“Voltando à Sala de Comando… O Saúl lá nos explicou que devíamos continuar o trabalho da Convénio, recrutar novos soldados no ano seguinte, ensinar o que sabíamos, etc. É claro que estávamos confusos, fizemos muitas perguntas, estivemos ali horas, até percebermos qual o próximo passo.”

“E qual foi esse passo?”

“Regressar a casa, às nossas vidas, às nossas famílias e aguardar pela primeira missão.”

“E foi isso que fizeram?”

“Eu, não.”

Pele

Julho 29th, 2020

Fecho os olhos
Porque amamos melhor de olhos fechados
Não preciso ver
Não precisamos ver
E, para te ver
Basta-me a pele
Um suave toque
Um doce encontro
Da minha com a tua

Cada centímetro
Cada poro
É um beijo apaixonado
É um beijo doce
Escondido num jardim que construímos de mão dada

Imóveis
Em silêncio
A nossa pele fala tanto
Viajamos no tempo
Aos dias sem fim
Em que o mundo era construído entre lençóis
E o suor era Música
e a Paixão dizia que serias minha para sempre

E a pele sempre presente
A falar-nos ao ouvido
A fazer palpitar o coração
Um único coração
Que forjamos a quente
No brilho das estrelas

A pele onde dormias
E eu te abraçava
De sorrisos perdidos no firmamento

A pele que era loucura
Risco, perigo, demência

A pele que sempre procuro
E onde nos encontro

Não calor ou frio que me afaste
Não há dor que me detenha
A tua pele sou eu
Serei sempre eu
Serei sempre teu

CONVÉNIO – A Tortura

Julho 26th, 2020

“Basta!”

A voz de Pôncio trovejou pelo Salão. O líder máximo da Lux abandonou a postura cavalheiresca e assumiu-se como líder militar que era. Os seus olhos chispavam de fúria e todo o seu rosto estava tenso.

David sentiu o toque, mas não o demonstrou. O seu cinismo tinha um objectivo.

Míriam tremia com medo que sobrasse para ela. Ester sorria.

E mais motivos ganhou para sorrir quando…

“Ester, Míriam, levem-no! Sabem o que têm a fazer!”

Naquele preciso momento, David conseguiu antever tudo o que iria acontecer de seguida e preparou a mente e o corpo.

Desde que a entrevista começara, concentrar-se mais no passado e menos no futuro, mas agora tinha que estar alerta. Não podia esquecer que estava preso no covil do lobo e que qualquer passo em falso seria a sua destruição.

Ester e Míriam manietaram-no e conduziram-no a uma sala totalmente branca, sem janelas e cuja porta desapareceu após entrarem.

O que se passou nos cinquenta e três minutos seguintes pode ser descrito como um massacre. Ester descarregou toda a sua fúria naquele que ainda era o amor da sua vida e que ainda a amava. Míriam permaneceu a um canto, a tremer e a chorar.

Contudo, David não sentia qualquer dor, nem o seu corpo apresentava escoriações, nódoas negras ou um simples arranhão. Nada. Aceitava os golpes de Ester, sem reagir, sem sequer se defender.

E, ao fim de cinquenta e três minutos, aquela que amava aquele que maltratava, caiu prostrada, exausta, sem forças, juntando o seu choro ao de Míriam. David estava de barriga para baixo. Até poderia parecer morto se não se tivesse levantado calmamente. Sem dizer uma palavra caminhou na direcção de uma das paredes, como se ela não existisse e atravessou-a como se ela não existisse. Do mesmo modo que se tinha levantado como se não tivesse sido saco de pancada durante cinquenta e três minutos.

Do outro lado da parede, esperavam-no vinte guardas que, de imediato lhe apontaram as armas.

“Pôncio, queres continuar a ouvir a história, ou terei que fazer a estes o que não fiz à Ester?”

CONVÉNIO – O Ataque e a Ressureição

Junho 28th, 2020

“Finalmente, chegamos ao ataque.”

“Sim. Era um dia de festa. Pela primeira vez usávamos a nossa farda, convivíamos livremente com os restantes membros da Convénio. Havia comida e bebida. E podíamos voltar a casa.

Um dia esplêndido!”

“Sim. Escolhemos esse dia, precisamente, por estarem lá todos. Iam morrer todos de uma vez. De uma vez por todas: como escaparam?”

Pela primeira vez, a voz de Pôncio assumia um tom negro, maléfico. Já não era o militar cortês que recebera David com um aperto de mão. Uma espinha com vinte e três anos a perfurar-lhe a garganta. Um plano perfeito que falhou.

“Apesar da festarola, eu não conseguia largar a Betel. Diga-se de passagem que, de farda, ficava ainda mais apetecível. Mas o que me prendia eram os olhos, esquivos, furtivos… Ela e as amigas pareciam deslocadas da festa e, a dada altura deslocaram-se mesmo. Perdi-as de vista. Chamei os outros e corremos tudo à sua procura. Tinham desaparecido. Essa busca afastou-nos do Palácio e do jardim frontal onde caíram as primeiras bombas.

A Convénio estava totalmente desprotegida e foi apanhada de surpresa. Não houve qualquer reacção. Mas nós, como estávamos afastados, conseguimos reagir. Pegamos em armas e começamos a disparar para o desconhecido.

Corremos em direcção ao campo de sangue que se estava a formar, enquanto o Palácio desmoronava. Havia gritos, membros amputados que voavam em todas as direcções, sucessivas ondas de calor, um calor que nos impedia de respirar raciocinar.

Procuramos ver de onde vinha tudo aquilo, mas o fumo, o pó…

Os gritos… acho que o pior foram os gritos…

E o sangue… havia sangue por todo o lado…”

Na audiência havia sorrisos de escárnio. David fraquejava e isso dava-lhes força. Ester chegou a rir baixinho.

“Mas escaparam…”

“O Saúl apareceu. Todo ele era uma papa de sangue, só nos gritou para fugirmos para o lago das traseiras e a seguir morreu à nossa frente. Por entre cadáveres e moribundos fugimos para o tal lago. Os projécteis caíam à nossa volta. O Palácio era já uma ruína. Espreitei por cima do ombro e vi as vossas tropas a avançarem. Corremos como pudemos, já com algumas balas a passarem-nos junto aos ouvidos.

Então, chegamos ao lago e fizemos a única coisa que podíamos fazer: mergulhamos.

O lago era profundo. Os clarões das explosões penetravam na água. Mergulhamos em direcção ao fundo, sendo absorvidos por uma imensa escuridão.

Continuamos a descer até que, aos poucos, a luz voltou. No leito do lago havia uma porta. O Miguel já lá estava à nossa espera. Quando estávamos os quatro juntos, abriu a porta e caímos para um espaço totalmente seco, onde a água do lago não entrava. Já não ouvíamos mais nada.”

“E que espaço era esse?”

“Um pequeno átrio. De onde nasciam umas escadas que subiam em espiral. Atrás de nós a porta desapareceu. Não tínhamos alternativa a não ser seguir as escadas.”

“E depois?”

“Subimos aquilo que eu calculei como sendo o equivalente a uns dez andares. Pensei que estaríamos a subir novamente à superfície do lago, mas a seco.

A imensa escadaria desembocou numa sala hexagonal, não muito grande, mas onde poderíamos circular à vontade sem andarmos aos encontrões.”

“E o que havia nessa sala?”

“Como disse, a sala era hexagonal. Duas paredes eram de vidro, de alto abaixo e, pasme-se do outro lado um salão muito parecido com este?”

“Era o Palácio da Convénio?”

“Exacto.”

“Mas tinha sido destruído!”

“Oooops…”

CONVÉNIO – A Recruta

Junho 28th, 2020

Começava a instalar-se um burburinho na sala e Pôncio teve que, mais uma vez, impôr o seu poder. David sentia que ainda ia causar uma rebelião ali dentro. Estava tudo a correr como planeara, mesmo que isso, eventualmente, lhe custasse a vida.

“David, tenho grande respeito por si, mas essas provocações…”

“Não são provocações. São factos. Imagine o que era estarmos aqui todos, calmamente, a conversarmos e, de repente, explosões, sangue, muito sangue, partes de corpos pelo ar, vísceras… Aquilo que parecia ser um sonho ter-se tornado num pesadelo.”

“Era precisamente aí que queria chegar. Como sobreviveram ao ataque?”

David deixou o olhar perder-se nas memórias, na dor que o consumia. Falava para todos, mas também para si próprio.

“Como sobrevivi a estes vinte e três anos? Como vocês que aqui estão sobreviveram? Como a Ester e a Míriam ainda não estão mortas? A resposta nos livros, nos filmes é coragem. Mas todos sabemos que é o medo que nos mantém vivos. E nós tivemos muito medo. Por isso hoje estou aqui. Estamos aqui.”

“Ou seja, fugiram!”, ironizou Pôncio.

David recuperou a postura. Sentiu a sua fraqueza. Queria dominar. Precisava de tempo para o que estava para vir. Tinha que contar a história toda. Tinha.

“Para perceberem o que se passou nesse dia, é preciso voltar um pouco atrás, novamente.”

Quando chegamos ao Palácio da Convénio, fomos os quatro instalados no mesmo quarto. Como já tinha dito, eu e o Emanuel éramos velhos amigos, longe de imaginarmos esta peculiaridade em comum. O Caleb era o mais calejado. Já trabalhava, apesar de ter a nossa idade era substacialmente mais maduro. Também tinha tido uma infância complicada. O Miguel esperava entrar (e entrou!) em Engenharia Mecânica nesse ano. Era de uma calma que enervava. Mas, consequentemente, era o mais lúcido e clarividente. Já eu, enervava-me facilmente. Precisei de muitas lições de controlo emocional.”

“E sobre o Emanuel? Não tem mais nada a dizer?”

“Ainda somos amigos, mesmo depois de ele ter trabalhado uns anos para vocês e ter tentado matar-me, também… Mas perecebo-o. A Isabel era bem jeitosa e, pelos vistos, dava-lhe tudo na cama. Não o censuro ter preferido a ela do que a mim.”

David retomou a história.

“Após os três primeiros meses no Palácio, em que nós e os restantes recrutas tivemos as mesmas aulas, o mesmo treino, fomos agrupados segundo as nossas competências e foi a partir daí que começou a correr mal.”

“A correr mal? Vocês não eram os melhores entre todos os recrutas?”

“Sim e não. Sim, tínhamos talento, não, não nos enquadrávamos muito na ética da Convénio que, a nosso ver, era demasiado branda.”

“Vocês queriam sangue…”

“Queríamos Justiça. Precisei de muitas aulas de controlo emocional. E o que aconteceu depois deu-nos razão.

Como estava a dizer, fomos agrupados nas Divisões tradicionais da Convénio: o Caleb para a Divisão Operacional, o Miguel para Engenharia, Tecnologia e Comunicações, eu e o Emanuel para Inteligência e Informação, que é como quem diz «Espionagem». E, como disse, foi a partir daí que começou a correr mal.”

“Mas porquê?”

“O Caleb bebia demasiado, o Emanuel apaixonava-se demasiado e eu era muito distraído o que, para um espião, é mau.”

“E o Miguel?”

“Era o único que escapava.”

“Tiveram problemas?”

“Muitos. Muitas lições de controlo emocional. Não fosse o Miguel pôr-nos na linha e não tínhamos chegado ao fim. Na prova final, foi o Miguel que nos orientou. Fizemos um brilharete e foi-nos augurado um brilhante futuro.”

“Essa prova…”

“Era de combate, com fogo real. Houve feridos e por pouco não tinha morrido gente… antes tivesse morrido…”

“O que quer dizer com isso?”

“Pensei que soubesse.”

“Não.”

“Tive a vida da Betel nas minhas mãos. Se a tivesse morto, o ataque, uma semana depois, não teria acontecido. Verdade?”

“Perceberam que ela era a nossa espia no vosso meio?”

“Percebi que não era flor que se cheire. Por isso, não a perdi de vista e a vista até era agradável, mas eu pressentia que algo não batia certo. Mas as lições de controlo emocional…”

António Pinheiro

Profissional de marketing, músico e corredor por prazer. Corre na estrada, no monte e de um lado para o outro na vida, atrás e à frente dos filhos.