António Pinheiro

Profissional de marketing, músico e corredor por prazer. Corre na estrada, no monte e de um lado para o outro na vida, atrás e à frente dos filhos.

CONVÉNIO – O Ataque e a Ressureição

Junho 28th, 2020

“Finalmente, chegamos ao ataque.”

“Sim. Era um dia de festa. Pela primeira vez usávamos a nossa farda, convivíamos livremente com os restantes membros da Convénio. Havia comida e bebida. E podíamos voltar a casa.

Um dia esplêndido!”

“Sim. Escolhemos esse dia, precisamente, por estarem lá todos. Iam morrer todos de uma vez. De uma vez por todas: como escaparam?”

Pela primeira vez, a voz de Pôncio assumia um tom negro, maléfico. Já não era o militar cortês que recebera David com um aperto de mão. Uma espinha com vinte e três anos a perfurar-lhe a garganta. Um plano perfeito que falhou.

“Apesar da festarola, eu não conseguia largar a Betel. Diga-se de passagem que, de farda, ficava ainda mais apetecível. Mas o que me prendia eram os olhos, esquivos, furtivos… Ela e as amigas pareciam deslocadas da festa e, a dada altura deslocaram-se mesmo. Perdi-as de vista. Chamei os outros e corremos tudo à sua procura. Tinham desaparecido. Essa busca afastou-nos do Palácio e do jardim frontal onde caíram as primeiras bombas.

A Convénio estava totalmente desprotegida e foi apanhada de surpresa. Não houve qualquer reacção. Mas nós, como estávamos afastados, conseguimos reagir. Pegamos em armas e começamos a disparar para o desconhecido.

Corremos em direcção ao campo de sangue que se estava a formar, enquanto o Palácio desmoronava. Havia gritos, membros amputados que voavam em todas as direcções, sucessivas ondas de calor, um calor que nos impedia de respirar raciocinar.

Procuramos ver de onde vinha tudo aquilo, mas o fumo, o pó…

Os gritos… acho que o pior foram os gritos…

E o sangue… havia sangue por todo o lado…”

Na audiência havia sorrisos de escárnio. David fraquejava e isso dava-lhes força. Ester chegou a rir baixinho.

“Mas escaparam…”

“O Saúl apareceu. Todo ele era uma papa de sangue, só nos gritou para fugirmos para o lago das traseiras e a seguir morreu à nossa frente. Por entre cadáveres e moribundos fugimos para o tal lago. Os projécteis caíam à nossa volta. O Palácio era já uma ruína. Espreitei por cima do ombro e vi as vossas tropas a avançarem. Corremos como pudemos, já com algumas balas a passarem-nos junto aos ouvidos.

Então, chegamos ao lago e fizemos a única coisa que podíamos fazer: mergulhamos.

O lago era profundo. Os clarões das explosões penetravam na água. Mergulhamos em direcção ao fundo, sendo absorvidos por uma imensa escuridão.

Continuamos a descer até que, aos poucos, a luz voltou. No leito do lago havia uma porta. O Miguel já lá estava à nossa espera. Quando estávamos os quatro juntos, abriu a porta e caímos para um espaço totalmente seco, onde a água do lago não entrava. Já não ouvíamos mais nada.”

“E que espaço era esse?”

“Um pequeno átrio. De onde nasciam umas escadas que subiam em espiral. Atrás de nós a porta desapareceu. Não tínhamos alternativa a não ser seguir as escadas.”

“E depois?”

“Subimos aquilo que eu calculei como sendo o equivalente a uns dez andares. Pensei que estaríamos a subir novamente à superfície do lago, mas a seco.

A imensa escadaria desembocou numa sala hexagonal, não muito grande, mas onde poderíamos circular à vontade sem andarmos aos encontrões.”

“E o que havia nessa sala?”

“Como disse, a sala era hexagonal. Duas paredes eram de vidro, de alto abaixo e, pasme-se do outro lado um salão muito parecido com este?”

“Era o Palácio da Convénio?”

“Exacto.”

“Mas tinha sido destruído!”

“Oooops…”

António Pinheiro

Profissional de marketing, músico e corredor por prazer. Corre na estrada, no monte e de um lado para o outro na vida, atrás e à frente dos filhos.