António Pinheiro

Profissional de marketing, músico e corredor por prazer. Corre na estrada, no monte e de um lado para o outro na vida, atrás e à frente dos filhos.

Talvez F

Novembro 8th, 2020

A icónica canção de Pedro Abrunhosa sugeria que fizéssemos “o amor” enquanto o mundo se desmoronava.

A noite passada, ao ter conhecimento do recolher obrigatório decretado para as próximas semanas, foi a primeira coisa que me ocorreu ao pensamento: mandar o nosso Primeiro-Ministro “fazer o amor”.

Os meus pais educaram-me a respeitar as autoridades, mesmo quando não estamos de acordo, mesmo quando não são da nossa “cor” política.

É o que tenho feito com este Governo, com o qual não me identifico e nunca identificarei, principalmente desde o início da pandemia.

Como já aqui escrevi, estive 79 dias fechado em casa, deixei o meu pai sozinho, abdiquei de ver o meu filho mais velho. Respeitei tudo.

Mas, mal a vida começou a voltar ao “normal”, quem manda neste país começou a dar sinais de que, mais cedo ou mais tarde, iríamos voltar ao mesmo, ou pior.

Foi o espectáculo do Bruno Nogueira, foram as manifestãções, foi o 1º de Maio, foram as touradas, foi Fátima, foi o Avante, foi a Fórmula 1.

Para uns, tudo. Para outros, nada. E agora, o “nada” volta a cair em cima dos mesmos que nada tiveram.

Trabalho de segunda a sexta numa empresa que não vê com bons olhos o teletrabalho, numa sala com mais 6 pessoas e um edifício com mais 30.

Vou almoçar, cruzando-me com alunos de uma escola profissional que trocam cigarros, linguados e usam a máscara no queixo. Almoço num café, porque é impossível almoçar nas copas da empresa, cumprindo as normas sanitárias.

Alguns dos meus colegas vão trabalhar em autocarros e metros apinhados.

O meu mais novo passa a vida a perguntar porque é que não pode ir brincar no parque.

De segunda a sexta, a minha vida e a de milhões de portugueses é uma roleta russa.

Tenho tolerado isto e muito mais.

Até ontem à noite percebia tudo e mais alguma coisa.

Agora, honestamente, não percebo ponta de um corno.

O mesmo Governo que permitiu os eventos já acima mencionados, diz-me, agora, que tenho que ficar privado das poucas horas que semanalmente tenho disponíveis para estar com o meu filho. O meu pai, que vive sozinho, fica privado da alegria de ter os dois netos a correr, saltar, rir pela casa.

A minha esposa é consultora imobiliária e os sábados à tarde são oportunidades de negócio e de sustento para a nossa família.

Como dizia a outra “isso agora não interessa nada”.

O Governo, desnorteado, atolado nos seus próprios erros, cospe medidas avulsas, só para dizer que está a fazer alguma coisa.

A falta de rumo, estratégia, é visível e a maior parte das pessoas não compreende.

Já imagino o caos nos supermercados e noutros locais no próximo sábado de manhã. O senhor António Costa sabe o que é estar à chuva numa fila para entrar no LIDL?

Tão repentinamente como se confinou, desconfinou-se e agora vamos pagar (quase) todos.

Desculpe, sr. António Costa, mas já não dá.

O sr. parece um treinador de futebol que está a perder e que, à falta de conhecimento táctico, estratégia e sangue frio, limita-se a ir ao banco de suplentes e colocar todos os avançados em campo. Acaba o jogo com um central a ponta de lança, mas perde-o na mesma.

Não. A culpa não é nossa, como o senhor e os elementos do seu Governo têm repetido sistematicamente. Nós cumprimos, carago!

Trabalhamos durante os meses de Verão com a máscara na cara, a pele irritada e o nariz a arder. Abdicamos de momentos de lazer, dissemos aos nossos filhos que não podem brincar no parque, mantivemos em isolamento os nossos familiares que de mais companhia precisam.

Fizemos férias “cá dentro”, para ajudar a nossa débil economia e para nos sentirmos um pouco mais seguros.

Abdicamos de tudo. Fizemos tudo.

O possível e, sabe Deus, o impossível.

Há gente desempregada, a passar fome, a morrer…

Agora vêm as ameaças sobre o Natal. Pare com o teatrinho. Poupe-nos.

Já todos percebemos como será o Natal, o Ano Novo, os Reis e o Carnaval.

Ontem, o meu pai já estava preocupado com a Páscoa.

Não. A culpa não foi nossa, mas dos sinais que o senhor e o Senhor Presidente da República foram dando ao país.

“Desde que se cumpram as regras…”

Estamos fartos de ouvir essa frase!

Outro dia, o nosso SNS mandou o meu pai ir a Santa Maria da Feira fazer um exame. O homem foi e veio de máscara no carro. Ele que achava um disparate usar máscara.

Nós aprendemos, nós obedecemos!

Mas continuamos a ser obrigados a andar em autocarros e metros apinhados.

Continuamos a ser obrigados a trabalhar em escritórios cheios de gente, porque a lei do teletrabalho está cheia de buracos para que as empresas façam como lhes der na real gana.

Mas os sábados à tarde é que vão resolver tudo, não é?

Ficarmos afastados das pessoas que amamos e que precisam de nós é a solução para a vossa falta de critério.

Porque, quando foi preciso dar um sinal ao país, o senhor pôs a aprovação do orçamento de estado, à frente das vidas dos cidadãos. Pôs os interesses instituídos, os lobbys, à frente do povo que deve governar e proteger.

Sabe uma coisa? Apesar de tudo, irei continua a obedecer e a cumprir com as regras, mesmo achando um absurdo.

Mas… “vá-se foder!”

António Pinheiro

Profissional de marketing, músico e corredor por prazer. Corre na estrada, no monte e de um lado para o outro na vida, atrás e à frente dos filhos.