António Pinheiro

Profissional de marketing, músico e corredor por prazer. Corre na estrada, no monte e de um lado para o outro na vida, atrás e à frente dos filhos.

“Contos da Lua Nova” – Afonso Alves

Junho 8th, 2021

(texto inicialmente publicado no Facebook, a 11 de Maio de 2021)

Wilhelm Marstrand, Don Quixote og Sancho Panza ved en skillevej, u.å. (efter 1847)

 

Aqui há anos, num daqueles concursos televisivos de “chefs”, um mundialmente conhecido crítico gastronómico dizia que “sabemos que um frango no churrasco é bom, quando chupamos os dedos depois de o comer.” A receita não interessa. O que interessa é o sabor.
Na Música, sabemos que uma obra é boa quando nos deixa sem palavras, quando nos emociona de todas as vezes que a tocamos, quando sonhamos com ela, quando nos faz viajar pela imaginação, quando nos deixa em lágrimas e com as pernas a tremer.
Não sei se os “Contos da Lua Nova” são já um “clássico”, mas é das obras que mais me emociona sempre que a toco. E já a toquei muitas vezes…
Não sei se é propositado ou, simplesmente, inspiração mas as melhores obras de Afonso Alves são feitas de momentos. Ou seja, estamos a ouvir e, de repente, acontece algo que mexe connosco. Um acorde, uma frase, um apontamento de um determinado instrumento, que fazem tudo o resto ganhar sentido.
Figura incontornável da nossa Filarmonia, como Músico, Maestro, Compositor e Pedagogo, o Afonso tem o mérito de procurar estar um passo à frente, fugir ao convencional e tem um grande sentido cénico e de espectáculo (algo que falta a muitos de nós: noções de cenografia). Com ele aprendi que não basta sentar os músicos no palco. Tudo deve ser pensado para quem Ouve e para quem Vê.
No dia em que o conheci, a propósito da interpretação das “Mornas e Coladeras” disse ao naipe de Percussão: “A linha entre o ridículo e o genial é muito fina.” E, a partir daí, com ele aprendi que a melhor zona para se estar é mesmo em cima dessa linha.
É verdade que não podemos andar com um coro atrás de nós nas romarias, mas a obra também resulta bem na sua versão instrumental. Agora, se tiverem oportunidade de lhe meter o coro… façam-no, porque as palavras dão outra força à Música.
Aqui fica a arrepiante interpretação da Banda Alvarense com o Orfeão do Porto, Orfeão de Valadares, Orfeão da Foz do Douro, Orfeão Municipal da Maia, Orfeão da Portugal Telecom (Zona Norte), Orfeão da Paróquia da Foz do Douro e Orfeão de Recardães, dirigidos pelo próprio compositor.
“Hoje a Lenda está viva, em quem recorda os Contos da Lua Nova.”

Glossário Filarmónico – I Capítulo

Junho 5th, 2021

Aperta

Indicação de afinação dada a clarinetistas que já não têm mais por onde meter.

 

Boa

Expressão de júbilo do público ao ouvir uma peçada;

Incentivo do colega de naipe quando mandas uma nota ao lado;

Pessoa do sexo feminino que distrai filarmonico do sexo masculino nas procissões. 

 

Cerveja

Bebida isotônica.

Desinibidor de solos.

Principal destino do dinheiro do cachet.

 

Dirigir

Aquilo que era suposto os maestros fazerem

 

Esgalhar

Tocar com paixão, intensidade, de forma arrebatadora.

 

Forte

Intensidade minima dos trombones.

 

Gaitada

Acto ou efeito de tocar.

Nota acidental numa pausa, compasso de espera, ou quando a outra banda está a tocar.

 

Há algum sítio onde se coma?

Quem não é para comer, não é para tocar.

 

Igreja

Edificio de culto religioso cristão destinado a servir de rotunda às bandas.

 

Já é para montar o instrumento? Já é para ir para o palco? Já podemos ir embora?

Eternas dúvidas de quem nunca ouve o que o Maestro está a dizer.

 

Leitura

Fase do ensaio em que podes meter nojo à vontade. “Estamos só a ler.”

 

Maestro

Funcionário da banda que dá a indicação para o início e término das peças. Responsável por informar os horários. 

 

O (salta ao…)

Sinalética que existe em algumas obras, principalmente marchas, para atrapalhar a leitura da pauta. Responsável por muitas catástrofes. 

 

Pianissimo

Intensidade mítica. Não é avistada desde Alcácer Quibir.

 

Quem me arranja um cigarro?

Há sempre um crava nas bandas,

 

Repetição

Tipo o O mas mais fácil de ler. Igualmente catastrófico. 

 

S (vai ao)

Costuma aparecer antes do O. Catastrófico 

 

Tutti

Forma peneirenta de dizer “Todos”. Eu disse, todos. 

Normalmente, quem usa “tutti” para “todos”, usa “da capo” para “vai do início”.

Até parece que as bandas estão cheias de italianos…

Antigamente, “tutti” era sinónimo de “bombo e pratos”. E um sabor de iogurte.

 

Vamos beber um fino?

Quando o colega está preocupado com a tua hidratação ou com o teu à vontade nos solos do concerto da tarde.

 

Xutos Medley

Hora de esgalhar!

“Vinho do Porto” – Ilídio Costa

Junho 3rd, 2021

(texto inicialmente publicado no Facebook, a 10 de Maio de 2021)

Ora vamos lá dar entrada.
Os quatro primeiros compassos dizem tudo sobre esta marcha. Vigorosa, alegre, determinada e um êxito nas cadernetas de Norte a Sul.
Antes do “Manuel Joaquim de Almeida”, era aquela marcha curtinha ideal para as mais variadas situações e que dispunha bem, quer à entrada, quer à despedida.
Ilídio Costa costuma apresentar dois formatos de marcha. Aquele mais tradicional e longo, com secções de 32 compassos, salto ao S e um trio, com re-exposição em forte no final. E este mais curto, em que o forte final, imediatamente após da ida ao S, é repetido.
A variação dos clarinetes na última repetição é um bom estudo para escala de Fá Maior.
Pormenores técnicos à parte, esta é uma marcha mítica… até pelo próprio nome, que dá sempre aso aos trocadilhos habituais.
Banda Nova de Fermentelos, dirigida por João Neves

“Avé Maria” – Alberto Madureira da Silva

Junho 3rd, 2021

(texto inicialmente publicado no Facebook, a 9 de Maio de 2021)

– Está a chover… a procissão vai sair?
– São umas pinguinhas… isto já passa…
2h depois… tudo encharcado.
Voltamos a Alberto Madureira, com a sua “Avé Maria”, marcha de procissão que faz sucesso tremendo entre os devotos:
“Sobre os braços daaaa azinheiraaaaa…”
De facto, a inclusão de um popular tema mariano na repetição final, faz as delícias daqueles padres mais papistas que o papa e dos fiéis da Virgem.
“A vossa Banda levou uma coça na procissão, porque a outra tocou a música de Fátima”, ouvi eu uma vez…
A verdade é que a marcha é uma linda inspiração de Alberto Madureira e, em boa hora, chegou às nossas cadernetas.
Banda de Coimbrões, dirigida pelo Maestro José Alexandre.
Bom Domingo!
(sem querer tirar mérito à qualidade da banda, aqui está um exemplo daquilo que considero ser um andamento demasiado lento na procissão…)

“Recordações do Passado” – Alberto Madureira da Silva

Junho 3rd, 2021

(texto inicialmente publicado no Facebook, a 7 de Maio de 2021)

 

Cinfães deu (e continua a dar) grandes nomes à Música.
Com uma vida dedicada à filarmonia, como músico, maestro e compositor, Alberto Madureira da Silva é autor de algumas das obras mais emblemáticas do reportório filarmónico, nomeadamente marchas de rua e procissão e as suas deliciosas rapsódias, nas quais os temas, sempre conhecidos, fluem de forma natural e bastante agradável.
A pedido de “várias famílias”, para abrir este fim-de-semana, recordamos recordações.
“Recordações do Passado”, rapsódia que me traz memórias dos meus fins-de-semana de infância, ainda antes de ser músico, quando passava horas a ouvir música com o meu pai, na qual encontrava as famosas “Melodias de Sempre”.
Mais uma vez, José Ricardo Freitas e a sua Banda de Vilela numa exímia interpretação.
Bom fim de semana!
(é impressionante como não encontro um vídeo disto ao vivo, dado que tanta gente toca…)

“Abraço a Portugal” – Duarte Pestana

Junho 3rd, 2021

(texto inicialmente publicado no Facebook, a 8 de Maio de 2021)

 

Série Pestana – Fantasia n.º 3
Hoje é sábado e abro uma excepção nos meu próprios critérios editoriais, mas é por uma boa causa. Para dar continuidade à “Série Pestana”, tive que passar por esta obra.
“Abraço a Portugal” (1953) é a terceira fantasia de concerto de Duarte Pestana, e não é propriamente daquelas obras que se ouça muito por aí (acho eu).
Portanto, primeiro aplauso para a Banda do Pejão por ter “arriscado” gravar esta obra, deixando este registo para a posteridade.
De acordo com a Tese de Mestrado de Hernâni António Petiz Figueiredo “A forma da Fantasia nº3 de Duarte Ferreira Pestana traduz-se, genericamente, na divisão dos temas. Cada um caracteriza uma região do país: Angola (pertencia a Portugal
na data de composição), Algarve, Ribatejo, Beira Baixa, Beira Alta, Trás-os-Montes, Douro e Estremadura. Desta forma, o compositor faz corresponder cada tema de uma região a uma secção da obra, originando 8 secções. Além destas, contabilizam-se mais três secções (uma correspondente à Introdução e mais duas correspondentes à Coda) perfazendo um total de 11 da secção A à secção K.”
(espero que não venha ninguém tentar censurar a obra por incluir Angola no território português)
Confesso que não conhecia esta fantasia e só me arrependo. Mais uma vez, estamos perante uma obra belíssima, de fino recorte orquestral e harmónico.
E esta interpretação da Banda do Pejão, dirigida por Francisco Moreira, merece o nosso aplauso.

 

“Una Noche en Granada” – Emilio Cebrian Ruiz

Junho 3rd, 2021

(texto inicialmente publicado no Facebook, a 6 de Maio de 2021)

 

Sempre que abordei reportório espanhol neste espaço, foi-me sugerido também falar sobre “Una Noche en Granada”, poema lírico de Emilio Cebrián Ruiz.
Não foi fácil encontrar no Youtube uma banda portuguesa a interpretar esta obra mas, em boa hora, surgiu-me na pesquisa a Banda de Riba de Ave, dirigida pelo maestro Hugo Ribeiro.
O meu primeiro contacto com esta obra terá sido em 1994/95, toquei-a vários anos na Banda de Crestuma e é algo que se ouve bastante por aí.
Intercala momentos de orquestração “fina”, expondo várias vezes os instrumentos solistas, sem rede (por exemplo, o solo de oboé acompanhado apenas pela caixa), com momentos de grande intensidade instrumental, mesmo “à espanhola”. Olé!
Parece fácil, mas é muito exigente para quem toca e quem dirige. Qualquer passo em falso pode criar situações desconfortáveis.
Mas resulta muito bem, mesmo em arraiais, obrigando o público a estar quieto e atento (coisa difícil…).
É uma obra à medida de maestros, músicas e bandas “com salero”. Pede alma, paixão e intensidade!
É realmente um poema.

“14 minutos no parque” – Ilídio Costa

Junho 1st, 2021

(texto inicialmente publicado no Facebook, a 5 de Maio de 2021)

Outra obra emblemática do não menos emblemático Ilídio Costa são estes “14 minutos no parque”.
Qual parque?
Porquê 14 minutos e não 15?
Não sei, mas esta obra teve alta rotação nos idos anos 90. Quando comecei a conviver com músicos de outras bandas e perguntava “que ligeiros vocês têm?”, respondiam “14 minutos no parque.”
De facto, comparado com os “Momentos Menores” ou os “Ecos de Espanha”, será uma escrita mais leve, mas com o selo de qualidade Ilídio Costa.
Apesar de ser uma obra bem popular, toquei-a menos de meia-dúzia de vezes, a primeira delas, no meu primeiro “ganso”, na Banda de Avintes.
Aqui fica na interpretação da Sociedade Filarmónica Progresso Matos Galamba, dirigida pelo Maestro João Neves.

António Pinheiro

Profissional de marketing, músico e corredor por prazer. Corre na estrada, no monte e de um lado para o outro na vida, atrás e à frente dos filhos.