António Pinheiro

Profissional de marketing, músico e corredor por prazer. Corre na estrada, no monte e de um lado para o outro na vida, atrás e à frente dos filhos.

Quando for grande quero ser…

Dezembro 12th, 2020

Mas, para meu azar, ou sorte, a minha profissão depende, quase em absoluto, da Internet.

Eu tento. Juro que tento. Já a minha mãe dizia entre dentes e de olhos arregalados: “‘Tá calado…”

Trabalho com seis redes sociais abertas em simultâneo e inúmeras plataformas digitais. Portanto, por muito que me desvie, levo com o disparate em cima e o meu armário dos estereótipos vai ficando cheio. E, enquanto outros saem do armário, eu entro no meu cheio de orgulho.

Hoje dei por mim a contemplar a prateleira onde tenho as ocupações (ou profissões, num acesso de bondade) da moda, a saber: Intelectual, Activista e Influencer. Haverá mais, certamente, mas com estes eu esbarro vezes de mais.

Mas isto são profissões? São, ou dizem que são, ou querem que acreditemos que são. Vamos esmiuçar.

Que raio faz um Intelectual?

Calma. Eu sei o que é um Intelectual. É alguém que produz, edita e publica pensamento sobre determinadas temáticas, nas quais é especialista, seja por formação académica, seja por experiência profissional (lá está… a profissão é outra…). Mas, um verdadeiro Intelectual, não se assume como tal. 

Há tempos, ao entrar num conhecido blog, noto que a autora se apresenta como “Intelectual”. O mesmo acontece nos sites de alguns partidos políticos, onde os respectivos titulares de órgãos internos, têm o campo “Profissão” preenchido com a palavra “Intelectual”. 

Este Intelectual da moda intitula-se intelectual. Basicamente, está a dizer que não faz nada, não sabe fazer nada, mas tem coisas muito interessantes a dizer. Mentira, por norma só diz disparates, coloca sempre o restante CV na assinatura, (normalmente recheado de pós-graduações duvidosas), mas com toda a convicção de quem está a postular a Teoria da Relatividade. É mais ou menos o que eu faço em certas crónicas que escrevo. Confesso. 

Se, alguém assumir-se como intelectual é, simplesmente, snob e uma tentativa desesperada de dizer “preciso de um emprego a sério”, alguém definir-se como Activista é isto:

“Portanto, tipo, aqui estou eu, tipo no meu pedestal de pessoa super preocupada, tipo, com bué de cenas, tipo super importantes, tipo para o futuro, tipo dos nossos filhos, enquanto vocês comuns-mortais-não-activistas, estão tipo a destruir o planeta e tipo as minorias, que merecem os mesmos direitos, tipo que nós.”

(eu queria escrever “tsipo” para ser mais realista, mas o corrector automático agrediu-me)

Este é o Activista-Influencer, uma mescla destas novas… ocupações. Na verdade, não está preocupado com nada, a não ser ter likes. Fotografa-se em manifs, a plantar árvores, a alimentar animais, mas sempre de olho nas notificações. #hipocrita

O Activista acha que os restantes comuns-mortais-não-activistas não têm cérebro e então está permanentemente a dizer-nos como agir, pensar e sentir. Mais, se caímos no erro de não agir, pensar e sentir segundo os cânones que preconiza, recorre ao seu melhor e, muitas vezes único argumento, o insulto. E quando consegues provar, com factos, que está errado? Entra em modo papagaio repetindo a mesma coisa até nos cansarmos dele e virarmos costas. 

Há também aquele Activista que está sempre zangado, mal disposto. Que protesta sempre pelos mesmos dois motivos: tudo e nada. É incapaz de rir, ser feliz. Defende a Natureza, mas não sabe apreciar a sua beleza. Defende as minorias, mas é alguém com uma enorme dificuldade em se relacionar com outros seres humanos. E a sua maior habilidade é ver problemas onde eles não existem.

Calma, pá. Eu sei que o activismo é importante, pá. Cresci nos anos 80, pá. Na altura, pá, os EUA e a URSS, pá, tinham grandes mísseis nucleares apontados uns aos outros e, segundo as previsões mais optimistas, pá, por esta altura o Mundo já tinha acabado num enorme cataclismo nuclear, pá.

Por fim, uma das grandes pragas do século XXI: os Influencers. Uma imensa ode à futilidade, ao consumismo, ao facilitismo. A entronização do banal e da mediocridade. Pessoas ocas, que metidas numa Moulinex, nem uma colher de chá de sumo produziam.

Os Influencers são a degradação do conceito de Líderes de Opinião. Vamos imaginar que, se um Lider de Opinião for um Ferrari, um Influencer é um carrinho de rolamentos falsificados na China, enferrujados e sem lubrificação.

Na verdade, tenho saudades dos líderes de opinião, mesmo daqueles com quem não concordava. Era desafiante e estimulante ouvir, ler, pessoas plenas, com conteúdo, esses sim, verdadeiros Intelectuais, Activistas do pensamento, Influenciadores de vidas. Pessoas com valor acrescentado.

Mas “hoje não há líderes de opinião, há influencers do activismo.”

Há Intelectuais-Activistas, Intelectuais-Influencers, Activistas-Influencers e Intelectuais-Activistas-Influencers, os supra-sumos. Mas de laranjas muito sequinhas, muito sequinhas…

Talvez F

Novembro 8th, 2020

A icónica canção de Pedro Abrunhosa sugeria que fizéssemos “o amor” enquanto o mundo se desmoronava.

A noite passada, ao ter conhecimento do recolher obrigatório decretado para as próximas semanas, foi a primeira coisa que me ocorreu ao pensamento: mandar o nosso Primeiro-Ministro “fazer o amor”.

Os meus pais educaram-me a respeitar as autoridades, mesmo quando não estamos de acordo, mesmo quando não são da nossa “cor” política.

É o que tenho feito com este Governo, com o qual não me identifico e nunca identificarei, principalmente desde o início da pandemia.

Como já aqui escrevi, estive 79 dias fechado em casa, deixei o meu pai sozinho, abdiquei de ver o meu filho mais velho. Respeitei tudo.

Mas, mal a vida começou a voltar ao “normal”, quem manda neste país começou a dar sinais de que, mais cedo ou mais tarde, iríamos voltar ao mesmo, ou pior.

Foi o espectáculo do Bruno Nogueira, foram as manifestãções, foi o 1º de Maio, foram as touradas, foi Fátima, foi o Avante, foi a Fórmula 1.

Para uns, tudo. Para outros, nada. E agora, o “nada” volta a cair em cima dos mesmos que nada tiveram.

Trabalho de segunda a sexta numa empresa que não vê com bons olhos o teletrabalho, numa sala com mais 6 pessoas e um edifício com mais 30.

Vou almoçar, cruzando-me com alunos de uma escola profissional que trocam cigarros, linguados e usam a máscara no queixo. Almoço num café, porque é impossível almoçar nas copas da empresa, cumprindo as normas sanitárias.

Alguns dos meus colegas vão trabalhar em autocarros e metros apinhados.

O meu mais novo passa a vida a perguntar porque é que não pode ir brincar no parque.

De segunda a sexta, a minha vida e a de milhões de portugueses é uma roleta russa.

Tenho tolerado isto e muito mais.

Até ontem à noite percebia tudo e mais alguma coisa.

Agora, honestamente, não percebo ponta de um corno.

O mesmo Governo que permitiu os eventos já acima mencionados, diz-me, agora, que tenho que ficar privado das poucas horas que semanalmente tenho disponíveis para estar com o meu filho. O meu pai, que vive sozinho, fica privado da alegria de ter os dois netos a correr, saltar, rir pela casa.

A minha esposa é consultora imobiliária e os sábados à tarde são oportunidades de negócio e de sustento para a nossa família.

Como dizia a outra “isso agora não interessa nada”.

O Governo, desnorteado, atolado nos seus próprios erros, cospe medidas avulsas, só para dizer que está a fazer alguma coisa.

A falta de rumo, estratégia, é visível e a maior parte das pessoas não compreende.

Já imagino o caos nos supermercados e noutros locais no próximo sábado de manhã. O senhor António Costa sabe o que é estar à chuva numa fila para entrar no LIDL?

Tão repentinamente como se confinou, desconfinou-se e agora vamos pagar (quase) todos.

Desculpe, sr. António Costa, mas já não dá.

O sr. parece um treinador de futebol que está a perder e que, à falta de conhecimento táctico, estratégia e sangue frio, limita-se a ir ao banco de suplentes e colocar todos os avançados em campo. Acaba o jogo com um central a ponta de lança, mas perde-o na mesma.

Não. A culpa não é nossa, como o senhor e os elementos do seu Governo têm repetido sistematicamente. Nós cumprimos, carago!

Trabalhamos durante os meses de Verão com a máscara na cara, a pele irritada e o nariz a arder. Abdicamos de momentos de lazer, dissemos aos nossos filhos que não podem brincar no parque, mantivemos em isolamento os nossos familiares que de mais companhia precisam.

Fizemos férias “cá dentro”, para ajudar a nossa débil economia e para nos sentirmos um pouco mais seguros.

Abdicamos de tudo. Fizemos tudo.

O possível e, sabe Deus, o impossível.

Há gente desempregada, a passar fome, a morrer…

Agora vêm as ameaças sobre o Natal. Pare com o teatrinho. Poupe-nos.

Já todos percebemos como será o Natal, o Ano Novo, os Reis e o Carnaval.

Ontem, o meu pai já estava preocupado com a Páscoa.

Não. A culpa não foi nossa, mas dos sinais que o senhor e o Senhor Presidente da República foram dando ao país.

“Desde que se cumpram as regras…”

Estamos fartos de ouvir essa frase!

Outro dia, o nosso SNS mandou o meu pai ir a Santa Maria da Feira fazer um exame. O homem foi e veio de máscara no carro. Ele que achava um disparate usar máscara.

Nós aprendemos, nós obedecemos!

Mas continuamos a ser obrigados a andar em autocarros e metros apinhados.

Continuamos a ser obrigados a trabalhar em escritórios cheios de gente, porque a lei do teletrabalho está cheia de buracos para que as empresas façam como lhes der na real gana.

Mas os sábados à tarde é que vão resolver tudo, não é?

Ficarmos afastados das pessoas que amamos e que precisam de nós é a solução para a vossa falta de critério.

Porque, quando foi preciso dar um sinal ao país, o senhor pôs a aprovação do orçamento de estado, à frente das vidas dos cidadãos. Pôs os interesses instituídos, os lobbys, à frente do povo que deve governar e proteger.

Sabe uma coisa? Apesar de tudo, irei continua a obedecer e a cumprir com as regras, mesmo achando um absurdo.

Mas… “vá-se foder!”

Manifesto da Boa Educação

Outubro 10th, 2020

Dá beijinho à tia, ao tio, ao avô e à avó. Diz bom dia, boa tarde e boa noite. Pede por favor e agradece. E já está. És bem educado. Ah… e não te esqueças de comer com a boca fechada.

És bem educado e já está.

Cumpres as normas sociais e isso faz de ti uma pessoa bem educada.

Em tudo o resto podes ser uma besta. Desde que distribuas beijinhos e “bacalhaus”.

Quando era miúdo faziam-me cócegas mesmo sabendo que eu não gostava, principalmente sabendo que eu não gostava. E riam-se. Depois, o mal educado era eu, por não gostar de cumprimentar ninguém.

Chamavam-me lorpa. Tive um tio que nunca ouvi a pronunciar o meu nome. E eu era o mal educado.

Tinha quatro anos quando informaram a minha Mãe de que eu era mal educado. O teu filho não entra em nossa casa. E eu ouvi tudo atrás da cortina. Que falta de educação.

No trabalho, tens que cumprimentar toda a gente quando chegas. Não basta um “bom dia”. Não. É preciso ir ponto a ponto, distribuir “bacalhau”. Depois, durante o dia, o chefe insulta-te e trata-te como um escravo, os teus colegas sacodem o trabalho deles para cima de ti, atendem-se os clientes com duas pedras em cada mão, não há solidariedade nem espírito de equipa, mas a boa educação… ah… o cumprimento, o passou-bem, apaga tudo. Somos todos bem educadinhos.

Interrompes reuniões, ensaios, ou conversas com os teus sonoros “boa noite!” e desatas a cumprimentar toda a gente? Boa! Isso é que é boa educação. Entrar discretamente, sem perturbar é uma falta de respeito, isso sim.

Chegas atrasado? Não importa! Desde que cumprimentes! É imperial cumprimentar. Deixaste 20 pessoas à tua espera, mas isso não é falta de educação… não.

E se vais ao café ver a bola, cumprimenta toda a gente, mesmo quem não conheces. Interrompe o jogo às pessoas, coloca a mão estendida por cima do ombro delas e não desistas enquanto o mal educado não vir o teu gesto de bondade.

Tens o teu lugarzinho no céu.

Bendita pandemia que acabou com esta palhaçada da “boa educação”. Porque, grande parte das vezes, não estamos a ser bem educados, estamos apenas a ser cínicos.

Lamento. Mas, cumprir normas e protocolos sociais não faz de ti bem educado.

Faz parte, mas não é tudo.

Digo eu, especialista na matéria, que cresci com o rótulo de mal educado. Cresci e vivi. Porque não gosto de cumprimentar pessoas, ou melhor, não gosto de cumprimentar todas as pessoas em todas as situações… entendem a diferença?

Porque às vezes distraio-me e mastigo de boca aberta. Tenho os maxilares bastante desalinhados e o nariz constantemente entupido. Fica difícil. Desculpem o mau jeito. Olhem para outro lado.

Não adianta cumprires o protocolo se, depois, na verdade, não respeitas os outros e o respeito não se mede pelo cumprimento.

Mede-se pelas atitudes, pela postura. Como se costuma dizer: saber estar.

Procurar entender, perceber o outro. Analisar antes de emitir juízos de valor. Ponderar. Perdoar. Talvez o perdoar seja o topo da boa educação. Talvez…

Saber discutir, argumentar, expor pontos de vista sem ferir, magoar ou insultar.

Saber ouvir.

Saber abdicar de nós mesmos, em prol do outro e do bem comum.

Ajudar, saber ajudar. Estar disposto a ajudar.

Entender que vivemos em sociedade e temos um papel a desempenhar e um contributo a dar.

Perceber de que forma as decisões políticas influenciam a nossa vida.

Aprender e saber sempre mais. Ser informado. Expandir a mente com novos desafios: ler, ler muito, livros e jornais; ouvir música diferente daquela que as rádios nos impingem; ir a museus, visitar monumentos.

Porque não te adianta nada cumprires com todas as regrazinhas que te ensinaram em criança, se depois és uma besta.

(afinal… talvez eu seja mesmo mal educado…)

Graças com Deus: muitas!

Setembro 28th, 2020

Subverti, propositadamente, o ditado popular.

Cresci a ouvi-lo demasiadas vezes. “Menino de coro”, “coninhas”, certinho e direitinho, a minha rebeldia era o humor e ultrapassar os seus supostos limites.

Os comentários inconvenientes e de mau gosto. Mais uma acha na fogueira dos que me rotulavam, sistematicamente, como mal educado.

(a minha aversão a beijinhos e passou-bens teve o seu corolário na Pandemia: obrigado COVID.)

“E se fosse contigo?”. Fiz uma piada no velório da minha mãe e a minha única pena foi ela não ter ouvido… ou será que ouviu?

Ela que, tantas vezes, entre gargalhadas abafadas me repreendia: “Ó filho, isso não se diz.” Mas eu sei ler olhos melhor que o Daniel Oliveira, e os olhos da minha Mãe diziam: és lixado.

Há um texto muito bom do Guilherme Duarte sobre os limites do humor ou a sua inexistência. Procurem, que eu não tenho paciência… está algures no Sapo.

Supondo a existência de um Deus, “clemente e compassivo, lento para a ira e rico de misericórdia”, como podemos igualmente supor que ele se ofende com uma piada?

É estranho, quando O Próprio, assume um sentido de humor tão acutilante.

Só um Deus divertidíssimo poderia polvilhar o Mundo, numa época em que a ciência e a tecnologia caminham para a Singularidade, de crominhos anti-vacinas, “terraplanistas” e outros “istas”.

Quando cientistas trabalham ao nível da nanotecnologia, nanorobótica e outros “nanos”, “ias” e “óticas”, vêmo-los a desfilar, ostentando a sua ignorância, como bandeira do seu orgulho: as vacinas que provocam autismo o 5G que visa controlar-nos a todos, o COVID que é um embuste, a Terra que termina ali na Corunha, a objecção de consciência ao Humanismo.

E Deus no seu Trono a rir-se.

Ai a sanidade mental…

Setembro 21st, 2020

As aulas regressaram e as escolas estão diferentes. Para o bem de todos. Um conceito difícil de entender: o bem de todos.

Dizíamos, não há muito tempo, que o Mundo ia mudar. Mas está na mesma, ou pior, porque o bem de todos passa ao lado.

Surpreende-me o pânico latente em muitos pais, com o início do ano lectivo. Com o risco dos filhos contagiados? Não. (seria legítimo, mas não).

Com o risco para a sua “sanidade mental.”

(as palavras não são minhas)

Mas expliquem-me isso da sanidade mental.

“As creches não deviam ter aberto, por causa da sanidade mental das crianças. Vão ficar traumatizadas.”

O meu filho de três anos, entra na creche feliz, aos saltos, mal se despede do pai. Ao fim do dia, quer ficar a brincar mais um bocadinho.

Expliquem-me o trauma nesta criança feliz. E nos amigos dele.

O mais velho (8 anos, 3º ano) regressou às aulas na semana passada. “Então, filho, a escola está muito diferente?”

“Não, está na mesma.”

(vamos fazer aqui uma pausa e ler novamente a frase acima…)

Os traumas sempre existiram. Os medos, as inseguranças, sempre estiveram lá.

Na primária, eu levava uma reguada por cada erro ortográfico num ditado. Pumba! Talvez por isso era raro dar um erro. Talvez por isso continue a irritar-me tanto quando vejo um erro ortográfico.

No ciclo, eu tremia de medo das aulas de trabalhos manuais.

No secundário, tinha pesadelos com trigonometria.

Na faculdade, panicava com estatística.

Os adultos esquecem-se muitas vezes que a sua percepção da realidade é muito diferente da das crianças. As prioridades, as ordens de valores, são diferentes. Na maior parte dos casos, aquilo que para nós é um bicho de sete cabeças, para eles é simples.

O crescimento tem muitas quedas, muita dor, muitos pontos cosidos a agulha. Não há volta à dar, ou contrariamos a ordem natural das coisas.

A “sanidade mental” deles passará, certamente, por outros caminhos que nós até já percorremos, mas esquecemo-nos.

Cidadania: sermos “apenas” melhores pessoas

Setembro 14th, 2020

Ponto prévio: sou um gajo um bocadinho inclinado para a Direita, Cristão convicto e praticante. Já fui militante do PSD.

Por isso… (pausa para respirar fundo) fico agastado quando vejo a tentativa de associar a disciplina de Cidanania à Esquerda. Os conteúdos e os objectivos abordados não deviam ser de Esquerda ou Direita, desta ou daquela religião, deviam ser da Humaninade.

Acredito que, apesar de eventuais falhas, a disciplina de Cidadania tem mais virtudes que defeitos. E, essas virtudes, espero eu, vamos vê-las daqui a uns anos:

– quando juízes deixarem de por à solta homens que agridem violentamente as suas mulheres;

– quando desaparecer o provérbio “Entre marido e mulher, não se mete a colher…”

– quando deixarmos de acordar com notícias de pretos que são agredidos, assassinados, enquanto ouvem “vai para a tua terra”;

– quando acabarem as perseguições e espancamentos a transexuais, que acabam a morrer lentamente num buranco imundo (caso “Gisberta”, para quem não está recordado);

– quando um adolescente deixar de ter medo, ou vergonha, ao descubrir que é homossexual, ou outra coisa qualquer e reprimir a sua sexualidade durante anos;

– quando terminar o bullying ou, pelo menos, deixarmos de achar que o bullying é uma coisa normal e que até “faz bem”;

– quando revisores da CP deixarem de assediar passageiras só por causa de um decote e terminar de vez a conversa do “pôs-se a jeito”;

– quando deixarmos de pôr a culpa nas vítimas;

– quando pararem os comentários começados por “Eu não sou homofóbico, mas…”;

– quando deixarmos de olhar de lado para dois homens, ou duas mulheres, a trocarem carinhos;

– quando deixarmos de julgar e condenar as pessoas pela roupa que vestem;

– quando percebermos que a sobrevivência do Planeta está nas nossas mãos e nos nossos comportamentos;

– quando animais deixarem de ser torturados para gáudio da multidão;

– quando formos todos mais empáticos e respeitarmos a diferença, mesmo que não concordemos e não se enquadre nos nossos valores.

Acima de tudo, espero que os meus filhos construam um Mundo onde deixe de ser necessária uma disciplina onde se ensine “apenas” a sermos melhores pessoas.

FOI NA BOLA – O FAIR PLAY É UMA TRETA

Setembro 1st, 2020

Antes de ser o treinador da moda e do regime, ou da moda do regime, JJ era famoso pelos seus tiros no porta-aviões, mesmo que expressos de forma gramaticalmente questionável.

Ao serviço do Braga, depois de ter sido roubado escandalosamente contra o agora seu clube, afirmou: ganhar na Luz, só na PlayStation.

Ao serviço do Belenenses, antes de um jogo contra o agora seu clube, afirmou: o fair play é uma treta.

O povo e a opinião pública tendem a definir o fair play como um conjunto de gestos, ritos e cerimoniais que, na verdade, em nada têm a ver com fair play.

Fair play, no fundo, é competir de forma justa. Nada tem a ver com palminhas, corredores de honra ou mandar a bola fora quando um adversário está lesionado.

Fair play é entrar no jogo para ganhar, dar o máximo para o conseguir e fazê-lo de forma justa.

Tudo o resto é folclore.

Pavilhão de Crestuma. Futebolada de sábado de manhã.

Ela estava à minha frente, redondinha, pronta. Olhei para ela, olhei para a baliza. Mesmo sendo uma nódoa em geometria, cometendo a proeza de, até com a régua, desenhar linhas tortas, percebi que, com determinada força, determinada direcção… era golo.

Na melhor gíria futebolística, puxei a culatra atrás.

Não é que tenha muita força, mas ali, foi alguma.

Só que… uma adversária (sim, tínhamos raparigas a jogar… e muito bem!), viu o mesmo que eu. Viu a redondinha, a linha recta para a baliza e a força que eu preparava para aplicar na bola. Corte providencial, mas o meu pé já não foi a tempo de parar e encontrou, no local onde milésimos de segundo antes estava a bola, o pé da rapariga. Estrondo.

“Oh António! Tu és tolo! Viste o que fizeste?”

Mas eu só queria chutar a bola…

Pedi desculpa enquanto ela se contorcia de dores no chão. Fui rodeado “eh pah… estamos aqui para nos divertirmos… não era preciso isso…”

Mas eu só queria chutar a bola.

Estádio de Braga. Janeiro de 2019. Final da Taça da Cerveja, ou lá o que é…

Oliver Torres está de olhos fixos na bola. E só na bola. Como eu, ele só quer chutar a bola, não para marcar golo, mas para a tirar dali para fora. O jogo aproxima-se do fim e, só agora, é que o adversário decidiu que quer ganhar de forma justa, depois de oitenta minutos de jogo passivo, a fazer de tudo para levar a decisão para os penaltys.

Durante oitenta minutos, só uma equipa teve fair play. Dentro do campo, na relva. Só uma equipa, a do Oliver, lutou para vencer. A outra escondeu-se na manha, na “chico-espertice tuga”. 

Oliver Torres está de olhos fixos na bola. Ele só quer chutar, mas um adversário, como a minha adversária, naquele momento, atravessa-se. Penalty.

A equipa do Oliver, pobre Oliver, acaba por perder no desempate.

A frustração é visível, audível, sensível… 

Não há espaço para mais nada no coração de quem deu tudo e perdeu de forma tão inglória.

As redes sociais, a opinião pública, o povo, vocifera contra a equipa do Oliver, por falta de fair play?

JJ tinha razão. O fair play, como nos querem vender, é mesmo o treta.

E o Oliver e eu, só queríamos mesmo chutar a bola.

Do consenso ao confronto

Julho 26th, 2020

Ouvi hoje na TSF alguém dizer que, nos nossos dias, quem discute não procura consenso, mas confronto.

Lembrei-me de imediato de um amigo que dizia “na minha rua há gente que, se for preciso, paga para andar à porrada.”

Por isso as discussões são cada vez mais esforços vãos e estéreis. Não vale a pena argumentar, explanar pontos de vista se, do outro lado, só encontramos mentes duras, fechadas e que só querem fazer barulho.

“Andar à porrada”.

Não interessa ter, ou não razão. O que interessa é gritar e, se possível, insultando e diminuindo o outro.

Por alturas do 25 de Abril, apanhei um post no meu feed que dizia “e não adianta virem para aqui dar a vossa opinião, porque não me interessa”. Poética forma de defender a liberdade.

“Não me interessa.”

Tudo resumido em três palavras.

E o consenso, a paz de espírito, a tranquilidade até são vistos e interpretados como sinais de fraqueza, quando a História do Mundo nos mostra exactamente o contrário.

Paz.

António Pinheiro

Profissional de marketing, músico e corredor por prazer. Corre na estrada, no monte e de um lado para o outro na vida, atrás e à frente dos filhos.