António Pinheiro

Profissional de marketing, músico e corredor por prazer. Corre na estrada, no monte e de um lado para o outro na vida, atrás e à frente dos filhos.

O país é demasiado pequeno…

Junho 24th, 2020

É a frase repetida exaustivamente por aqueles que são contra a regionalização, bairrismos, picardias entre regiões, ou o simples orgulho pelo local onde se nasceu e/ou vive.

“Ah… tu nem és do Porto!”, ouço igualmente muitas vezes.

Nasci em Mafamude e vivi quase 40 anos em Crestuma. Entretanto, já morei em Olival e agora em Pedroso. Tudo em Vila Nova de Gaia. É só atravessar o rio. O mesmo rio que banha as duas cidades.

O mesmo rio que serve de cenário aos festejos de S. João.

Estudei cinco anos no Porto e desde 2002 que lá trabalho. Casei com uma portuense nascida em Santos Pousada, freguesia do Bonfim, que tem Santa Clara como padroeira.

Talvez isso não faça de mim portuense (nem quero), mas não posso amar uma cidade que me diz tanto e onde passo mais de oito horas do meu dia?

Não posso amar a cidade onde estudei, amei, chorei e cresci como ser humano?

Posto isto…

Sim, Portugal é um país demasiado pequeno para guerras internas. Mas é igualmente demasiado pequeno para haver tanta desigualdade entre Lisboa e o resto do País. O problema de Portugal e que me leva a ser defensor convicto da regionalização, não é Lisboa vs. Porto. É Lisboa vs. o Resto do País, de Trás-os-montes ao Algarve. Do Algarve à Madeira e aos Açores.

Face a outras regiões sistematicamente esquecidas por sucessivos governos, o Porto nem se pode queixar muito. Não por qualquer benesse que venha da Capital, mas porque em séculos de história sempre teve que fazer das Tripas Coração e remar contra a maré. E com isso cresceu e tornou-se o que é hoje.

Desde a história das tripas, passando pelo Cerco e pelas invasões francesas, que o Porto e as suas gentes tiveram que dar o corpo ao manifesto pela Cidade e pelo País. Sim, pelo País.

A História está escrita. Queiramos saber lê-la e interpretá-la.

E quando falamos em Porto, falamos nas cidades que orbitam as suas fronteiras e que com ele têm uma relação visceral, de Espinho a Vila do Conde.

Veio a Pandemia e o Porto levou com a primeira onda de choque. As inúmeras relações comerciais com Espanha, Itália e até mesmo a China, enfiaram o vírus directamente nas veias do Norte de Portugal. Porque o Porto alimenta as zonas industriais de Vila Real a Aveiro.

E em Lisboa, sentados no seu trono imperial, chamaram-nos de tudo e mais alguma coisa. O Porto agonizava. Lisboa troçava.

Mas, aqui, não ficamos “a ver se chove”. Enquanto o Ministério da Saúde e a DGS deitavam as mãos à cabeça, o Porto fechou, mostrou como se faz. E, desde logo, soubemos que, este ano, o S. João era à varanda, à janela, no quintal.

Era, seria, foi no único sítio onde faz sentido: no coração dos portuenses, gaienses e de todos aqueles que nesta noite iriam folgar pelas ruas.

O Expresso veio dizer que não. Foi um enterro, dizem eles.

Um país tão pequeno e não conheceis os vizinhos.

Hoje, a DGS, lançou o seu apelo para os cuidados a ter na noite de S. João. Hoje, quando estamos todos de ressaca e ficamos a saber que Lisboa nos passou à frente nas estatísticas mais tristes da Pandemia. Bravo!

Mas, voltando atrás…

Enquanto o Ministério da Saúde e a DGS deitavam as mãos à cabeça, o Porto fechou, mostrou como se faz. Rui Moreira saltou para a frente da batalha. Andou pelas ruas. Enquanto que, com uma mão, pedia-nos para ficar em casa, com a outra impediu que nos impusessem novo Cerco. Porque o Porto não é só Porto. E de Vila do Conde a Espinho, há pessoas que trabalham no Porto, recorrem aos hospitais do Porto, precisam do Porto.

A tempestade parece ter passado e o Porto começou a abrir. Mas à vontade, não é à vontadinha.

O espectáculo da superstar do confinamento foi adiado (adiado… imaginem se fosse cancelado) e caíu qualquer coisa para os lados da Sampaio e Pina em Lisboa. Quando somos os reis da empatia, temos destas coisas. Sentimos as dores dos outros, mesmo que os outros não se queixem. Mesmo que seja só um arranhãozinho no joelho.

Uma frase de Rui Moreira foi retirada do contexto, por alguém que tanto usa as redes sociais para se insurgir contra o mau uso das redes sociais, e voltaram a atirar-nos com o rótulo de parolos e incultos, fanáticos por futebol, ignorando que, por exemplo, até já houve concertos na Casa da Música, por estes dias.

Eles não sabem, nem sonham o que é ser do Porto.

Vai ficar o futebol, dizem eles. Mas curiosamente foram eles que se insurgiram quando, mais uma vez, Rui Moreira, tentou adiar o tal jogo de futebol.

Uma no cravo, outra na ferradura.

S. João, Santo António, e todo o coro celestial cantaram a Karma Police bem alto na noite de ontem.

Dias do fim – parte 15 – a última

Maio 31st, 2020

Foi a 12 de Março que abracei o meu filho mais velho pela última vez, sem saber quando voltaria a fazê-lo. Inventei anestesia para a distância.

Foi a 13 de Março que saí do meu emprego, sem saber quando voltava. Inventei-me um novo profissional.

Foi a 14 de Março que deixei ao meu pai um frasco de gel, o número do SNS24 e mil e uma recomendações que sabia que ele não compreendia e que, provavelmente, iria ignorar. Inventei um antídoto para a angústia.

Foi a 14 de Março que comecei a contar os dias e contei-os até perder a conta.

Inventamos formas de encher os dias.

Foi a 15 de Março que tentei ver televisão pela manhã, enquanto fazia exercício. Aguentei 5 minutos. A TV, não o exercício. Fiz muito exercício. O mais que pude. Na elíptica, nos 25 degraus de acesso a casa, nos 100 metros da minha rua. 79 dias, treinei 63.

Voltando atrás… Peguei no comando e comecei a mexer nos botões. Parei na HBO. Vi alguns filmes, mas o melhor foi ter terminado de ver a Teoria do Big Bang e foi impossível não rir, rir, rir e depois chorar com aquele final.

Planeando meticulosamente cada saída ao exterior. A Teresa tornou-se numa gestora de stocks e prazos de validade.

A minha exigência profissional nunca foi tão grande. 79 dias, trabalhei 77. Só descansei na Páscoa e no aniversário da Teresa.

Fizemos pão, bolos e até permitimos à Leia o luxo de passar uma semana no “Pet Hotel”.

Pintamos, desenhamos, moldamos, rasgamos ou simplesmente preguiçamos.

Voltei a ler e a escrever.

Encomendamos fatos de super-heróis, brinquedos e panikes de chocolate.

Cantei os parabéns ao meu filho pelo whatsapp, num dia que vivi com o coração em lágrimas, mas com o conforto e calor de dezenas de mensagens de amigos, no mais difícil dos dias.

Para a nossa família, Abril é mês de festas e celebrações. Convenci meia-dúzia de Confrades a ficarem acordados até à meia-noite, para surpreenderem a Teresa com uma videochamada de parabéns. Adiamos os festejos do nosso namoro para data a designar e demos o nosso melhor para termos uma Páscoa digna desse nome e um aniversário de casamento como deve ser.

Fizemos vídeos malucos com a nossa Confraria, porque a Música nunca parou dentro de nós. A Teresa cantou Pedro Abrunhosa, para nós, para o Mundo, mas principalmente para a sua Mãe…

Como não sei cantar, à minha Mãe escrevi… e desabei em lágrimas sobre o teclado…

Gravei música para missas, via-sacras e procissões. Longe, voltei a estar perto das V.E.

E ainda inventei um solo de saxofone para um esplendoroso vídeo final. E que bem que soube ser apenas “mais um”.

Inundamos os directos da Paróquia com corações e no final havia sempre uma videochamada, entre lágrimas e sorrisos.

Ficamos a conhecer melhor os pais dos amigos do nosso filho, partilhamos alegrias, tristezas, frustrações e aquelas coisas de pais.

A casa ficou (e ainda está) virada do avesso. Mas, a dada altura, simplesmente desistimos de a arrumar. O Eduardo há-de ser um bom decorador de interiores.

A mesa da sala tornou-se escritório e sala de reuniões. Vestíamos uma roupa à pressa para as videochamadas, mas só da cintura para cima.

Veio o calor e montamos uma piscina no terraço, onde almoçávamos beijados pelo sol. Inventamos formas de sair à rua.

“Eduardo! Xiu! Está a ligar um cliente da Mãe!”

“Xiu! O Pai vai ligar para o trabalho dele, fica caladinho um bocadinho…”

Escrevi dissertações sobre o Jesus Christ Superstar e descobri a Sara Bareilles. Reencontrei-me com os Radiohead e ouvi Pink Floyd incessantemente.

E, por falar em reencontros, foi no dia 25 de Maio que os meus filhos se reencontraram. O Eduardo quase saltava pela cadeira do carro fora e o Lucas, tão pouco dado a demonstrar emoções, sendo das crianças mais emotivas que conheço, ofereceu-me um dos seus sorrisos mais genuínos que, para mim, valem mais que qualquer beijo ou abraço.

E foi no dia 30 de Maio que o Eduardo reencontrou a Madrinha, que não aguentou as lágrimas…

Alguém disse que a “Vida é a arte do Encontro”. Os últimos meses transformam-se na arte do reencontro. Os reencontros vão acontecendo, aos poucos, como a Natureza que acorda na Primavera após o Inverno. O Verão já não tarda…

Amanhã é dia de mais reencontros. Nos empregos, na creche…

Desisti de tirar lições do tempo que agora finda. Há algumas feridas, mas ainda hoje o Eduardo explodiu de alegria ao ver um arco-íris…

Dias do fim – parte 14

Maio 30th, 2020

A crónica de hoje é diferente.

Ao longo dos últimos 78 dias, em linha com as actividades propostas pelo Aniquibebé, creche frequentada pelo meu filho Eduardo, fui registando num diário as suas brincadeiras, actividades, curiosidades… um pouco de tudo o que ele ia fazendo cá por casa.

Esta é a última página desse diário. Escrita por mim, obviamente, mas tentando ver as coisas da perspectiva dele.

Serve também para, sem qualquer tipo de obrigação, mostrar a nossa (minha, da Teresa e do Eduardo) gratidão ao Aniqui e às suas incríveis profissionais, que souberam responder da melhor forma a todos os desafios levantados pelo COVID-19.

É bom saber que entregamos o nosso filho a estas mãos e a estes corações que choram, riem e amam connosco.

«ANIQUI- À DISTÂNCIA DE UM ABRAÇO – O FIM

Lembro-me dos últimos dias. O papá deixou de poder entrar no Aniqui. Tínhamos que desinfectar as mãos. As coisas começaram a ser diferentes.

Lembro-me do último dia.

Os papás foram buscar os meus amigos mais cedo. Havia algo de diferente. Ao fim do dia, como em tantos outros dias, eu era o único menino, à espera do meu papá. Mas, naquele dia, tão estranho, não estava sozinho. Todas as funcionárias do Aniqui estavam lá comigo. A Tete, as minhas Isabéis… É claro que me senti importante. 

Então, o pai chegou.

Como sempre, tentou animar-me e ficou feliz por me ver, mas os seus olhos estavam diferentes. Assim como os olhos da Tete, das Isabéis e das outras…

Parece que ninguém sabia muito bem o que dizer, ou fazer.

O papá, levou embora a minha mochila, a bata e todas as minhas coisas do Aniqui. Até parecia que nunca mais voltaria e percebi isso na despedida. “Até um dia destes…”

Não foi um até amanhã, ou um bom fim de semana, ou um boas férias.

Ninguém ali, naquele momento, sabia quando eu iria voltar ao Aniqui e rever os meus amigos.

Também os olhos do papá estavam diferentes.

Em casa, os papás explicaram que andava na rua um “bichinho” muito mau e que teríamos que ficar em casa durante algum tempo.

Olha que bom! Passar o tempo todo com os papás…

Os dias tornaram-se diferentes, mas sempre com o Aniqui presente. Quase todos os dias era acordado com notícias da Isabel, da Belinha, da Tete…

Foram canções, jogos e brincadeiras.

Houve um dia especial. A Belinha mandou um vídeo a cantar-nos a canção dos bons dias, como se estivéssemos na sala. Reparei que, à medida que canção ia-se aproximando do fim, os olhos dela iam ficando diferentes.

O mesmo se passou noutras ocasiões com a Isabel.

Mas eu gostava de as ver e matar saudades.

Também via as fotos e vídeos das brincadeiras e trabalhos dos meus amigos.

Todos os dias, mesmo em casa, estava no Aniqui.

Os papás ainda tentaram que eu fosse fazendo as actividades… mas eu tenho o meu feitio. Desculpem.

Quando alguém fazia anos, os amigos apareciam todos em quadradinhos no computador do papá e cantávamos os parabéns.

E todos juntos construímos uma história, que teve direito a banda sonora composta pelos papás.

Já para o fim, eu estava cansado e preguiçoso. O ritmo do teletrabalho dos papás foi aumentando. Mas o Aniqui nunca nos largou, nem por um segundo.

No momento em que soubemos quando e como eu iria voltar ao Aniqui, os papás ficaram aliviados. Não por se verem livres de mim, mas por se sentirem seguros com a forma como tudo estava a ser preparado para o nosso regresso, minimizando os riscos de nos cruzarmos com esse “bichinho” malvado.

Perante as medidas que os senhores do Governo anunciaram, o Aniqui não tremeu, não refilou, não entrou em pânico, mas arregaçou as mangas e fez o possível para garantir segurança e normalidade a todos nós. E isso deixou os papás muito felizes.

Esta semana passei lá à porta. A mamã foi entregar as minhas coisas.

Já sei que agora vou brincar mais no recreio e cá fora, que tenho que ter alguns cuidados, que já tinha antes de termos vindo para casa.

Os papás sempre estiveram muito orgulhosos pela forma como lavo e desinfecto as mãos; por não estranhar usar máscara, ou ver os adultos também de máscara. Eles sabem que me vou portar bem, porque tenho pessoas excelentes a cuidarem de mim.

Essas pessoas mostraram, ao longo destes 70 e tal dias, que somos mais que números, mais que uma mensalidade ao fim do mês. Que somos realmente uma família. O Aniqui é a nossa família na rua e passou a ser parte da nossa família em casa.

É fácil ter sucesso quando as condições são boas. Quando tudo corre bem.

Mas, quando a estrada se torna sinuosa, é quando vemos os grandes pilotos. É nos mares revoltosos que vemos os grandes comandantes.

Faltam 48 horas para voltar ao Aniqui mas, na verdade, acho que nunca saí de lá.

Em meu nome e em nome dos papás, muito obrigado a todas! 

Obrigado, Aniqui!

Eduardo Sala»

Dias do fim – parte 13

Maio 29th, 2020

Esqueçam. Não vai ficar tudo bem. Nem tudo mal. Vai ficar tudo na mesma. Já passou. Já está longe. É só em Lisboa agora.

Mas nem é o vírus que chateia. É a humanidade, ou a falta dela.

É o inenarrável assassinato do George Floyd e o aproveitamento político e social do mesmo. E se o George Floyd fosse branco? Amarelo, rosa, azul? Haveria posts, artigos, dissertações? Ou seria mais uma vítima do musculado sistema policial americano? Tiraríamos uma selfie ao lado do cadáver com uma bonita hashtag? Ou passaríamos ao lado?

São os combates entre claques…

É o egoísmo. O egoísmo nas suas mais variadas formas. Em todas.

A pandemia não revelou um mundo melhor, não mostrou o melhor das pessoas. Pelo contrário, mostrou quanto podemos ser maus.

Esqueçam.

Nos supermercados já toda a gente se atropela e empurra. A desinfecção das superfícies ocorre quando alguém se lembra. E num parque espaçoso, cheio de lugares vagos, as pessoas continuam a estacionar em cima das linhas.

É impossível «retirar ilações absurdas de uma situação excepcional”, porque ficou tudo na mesma.

Continua a haver quem seja anti-vacinas, a negar as mortes e a dizer que isto foi tudo uma “campanha da comunicação social”.

E há quem continue a ser mau. Já não sei quantos cães mortos num saco, em Bragança. Nem os animais inocentes escapam à estupidez humana.

Vai haver uma procissão em Matosinhos. Num formato especial, dizem. Acredito. Mas uma banda filarmónica vai tocar, num autocarro, 22 músicos. Estarão em segurança? Acredito. Mas fica o desprezo moral e ético por todas as filarmónicas deste país que continuam com as estantes fechadas, as partituras na pasta e os instrumentos no saco. Acredito.

Sabem uma coisa? Que se lixe! Salve-se quem puder. O juíz de partida está com a pistola no ar, mas já todos os cavalos arrancaram e nem há pista. Cada um vai como quer, por onde quer. A meta é o in finito. A sociedade já não é sociedade.

Nós é que somos bons, nós é que sabemos e à nossa volta é terra queimada.

O mundo não acabou, nem mudou. Continua a mesma merda.

Dias do fim – parte 12

Maio 28th, 2020

Quando era mais novo, a minha Mãe dizia-me muitas vezes: “criticas tanto os outros… quem é que te critica a ti?”

Eu achava que podia criticar os outros, porque era diferente: eu era melhor.

Essa minha soberba e arrogância custou-me muitas coisas.

Com a idade aprendemos que, afinal, não somos assim tão bons e que, afinal, às tantas até merecemos umas boas bojardas.

Com a idade aprendemos a olhar para as coisas de forma mais compreensiva, sem julgamentos, apenas para tentar entender porque acontecem.

No fundo, qual deve ser a postura de um investigador perante um crime: saber o que aconteceu, ou acusar alguém?

Caindo num lugar comum, com a idade aprendemos a calçar os sapatos do outro, vemos o Mundo com outros olhos e percebemos porque é que uma aitude que a nós pareceu estranha, errada, condenável, aconteceu.

É claro que também sucede, após termos mudado de perspectiva, continuarmos sem entender “porquê”. Mas, pelo menos, tivemos a coragem de ir ao outro lado.

E é mesmo uma questão de coragem. Sairmos de nós, das nossas crenças e preconceitos.

Dias do fim – parte 11

Maio 27th, 2020

219 novos infectados, 211 em Lisboa e Vale do Tejo. Então? Agora ninguém propõe uma cerca sanitária? A mim parece-me óbvio que Portugal está a ir bem, excepto “lá em baixo”. Sendo assim, podemos continuar a desconfinar tranquila e calmamente, enquanto metemos Lisboa novamente confinada? Parece-me boa ideia.

A TAP vai na onda e faz de conta que o Aeroporto do Porto não existe. Enquanto outras companhias aéreas começam a reabrir rotas, a TAP diz que não há procura.

A mesma TAP onde o nosso Governo enterra o nosso dinheiro.

O “The Guardian” publicou um interessante artigo sobre o sucesso português na contenção do COVID. Enquanto continua a haver portugueses com vontade de se mudarem para a Suécia, parece que a coisa vista de fora é diferente. Contudo, uma leitura atenta do artigo do jornal britânico deixa-nos, obviamente, tristes: um dos países mais pobres da europa e com menor rácio de camas de cuidados intensivos. Viva o SNS!

Por falar em SNS, outro artigo interessante li no Público sobre a postura da opinião pública sobre os enfermeiros. Resumindo: da próxima vez que fizerem greve para, legitimamente, lutarem pelos seus direitos, lembrem-se de lhes bater palmas e não insultar.

Insultos e muito mais continua a haver por Lisboa, nos já frequentes duelos entre as pacíficas claques dos dois maiores clubes lá do sítio. De facto, Lisboa está on fire. Mas o IPDJ continua a não perder o Macaco e os seus Super Dragões de vista… esse bando de criminosos!

Dias do fim – parte 10

Maio 26th, 2020

Hoje em dia, ir à praia não me puxa. É daquelas coisas que dispenso. Aliás, aprecio muito mais a praia deserta, no Inverno. O mar revolto, as cores escuras… quanto mais frio, melhor.

Mas, recuemos uns 30 e poucos anos…

Em criança, nunca fiz férias fora. Não havia hipótese. Os meus pais, com salários baixos, não se podiam dar ao luxo (sim, as férias eram um luxo) de ir para fora, cá dentro, ou para onde fosse.

Aliás, o meu pai chegou a abdicar das férias. Era necessário amealhar para sairmos do barraco e contruir uma casa decente, digna desse nome.

Mas íamos à praia. Lembro-me de, muito pequeno, ir para Lavadores. Os meus pais adoravam esse local, ainda antes das bandeiras azuis e da costa gaiense ter-se tornado o que é hoje. Gostavam das rochas que forneciam sombra. Eu podia ficar ali, protegido, no meu canto a brincar com a areia.

Era uma longa jornada. Camioneta até Gaia e depois mais um autocarro até às praias. Autocarros apinhados, onde mal se respirava.

Mais tarde, começamos a ir para a “praia da Dinamarca”, um areal junto à Barragem de Crestuma, do lado de Gondomar. Íamos a pé. Foi a minha primeira experiência no trail. A sério. Mochila às costas, com o essencial. Água para hidratar no trajecto. Aproveitar fontes e bicas para refrescar. Atalhos pelo monte. E lá íamos nós. Talvez uns 4km.

Cada ida à praia era única. Era a cor e o perfume das minhas férias. Por isso, quando por algum motivo uma ida à praia era cancelada, o Mundo desabava. Sentava-me no sofá, olhar perdido na TV e quase chorava.

Regressemos a 2020…

Por isso, percebo o desespero, a angústia, a dor daqueles e daquelas, que têm travado uma luta diária para defender o direito de irmos todos à praia.

Percebo, mas não entendo…

É incrível que, depois de tudo o que passamos e que continuamos a passar, a praia seja o grande cavalo de batalha de tanta gente. Percebo, mas não entendo. Confesso que vejo uma certa futilidade em tudo isto… Já nem falo mais na questão sanitária, mas depois de empresas falidas, desemprego, concidadãos a passarem fome… a praia! A praia é que é. A praia é que tem que ser.

Estão 30 graus… puxa. E o que parece também puxar, são as queimadas. Realmente, a melhor coisa que se pode fazer com este calor é queimar mato. Nos últimos 3 dias, já me deparei com duas queimadas. Uma delas, no passado sábado, mesmo nas traseiras de minha casa. À noite era um cheiro a fumado que não se aguentava. Ontem, ao final da tarde, no início da Rua Eugénio Paiva Freixo, em Crestuma, era igual. Acho que consegui ver D. Sebastião no meio da fumarada.

Como a Teresa costuma dizer: “o pessoal anda doido…”

Dias do fim – parte 9

Maio 25th, 2020

Raquel Varela (sim… hoje disse o nome) continua na sua saga “isto ’tá tudo mal, só eu é que sei, porque cito intelectuais norte-americanas”.

Desde o início da pandemia / confinamento / quarentena, não há nada que a mulher não ataque. Desta vez, confiro-lhe alguma razão no propósito: as crianças não podem ficar ad aeternum em ensino à distância, o mesmo é apenas uma solução de emergência e, pensar em perpetuar o mesmo, sem data de fim, pode não ser boa ideia.

Estamos todos de acordo e é um bom tema de escrita. Se, a Dra. Raquel, tivesse dedicado a sua prosa a isto e a fundamentar o seu ponto de vista, teria sido, sem dúvida, pertinente e assertivo.

Mas não. Raquel Varela, sendo Raquel Varela, precisa de encontrar algo de monstruoso por de trás de qualquer coisa que ela não concorde. Vai daí, despiu o fato de investigadora e docente universtitária e vestiu o disfarce de teórico da conspiração. Ou então, abandonou a tertúlia académica, para se juntar a uma conversa de café.

Resumindo, segundo a escriva, a culpa disto tudo é toda das empresas de venda de hardware e software que têm um lobby poderosíssimo, que manipularam o Governo, para que as aulas à distância continuem.

(pausa para meditarmos…)

Juro, mas juro mesmo, que ao ler, imaginei Raquel Varela a abdicar da sua pose permanente de “tia de Cascais” e vestida à trolha, com a máscara no queixo, a fumar Português Suave à porta de uma tasca, mini pousada no chão, com uma mão a coçar as partes baixas, enquanto cuspia esta alarvidade.

Grande parte da minha carreira profissional está ligada à informática de retalho. É um mercado duríssimo, onde são praticadas margens de lucro baixíssimas.

É verdade que, no cenário da pandemia, o teletrabalho e as aulas online vieram permitir que muitas destas lojas se mantivessem à tona e assegurado postos de trabalho. Grande parte desses postos de trabalho são mantidos com o salário mínimo, ou pouco mais, porque as margens são permanentemente esmagas pelo mercado.

Mas daí, até ao ponto onde a Dra. Raquel Varela quer chegar, vai uma grande distância. Ou então, deterpou-se a relação causa-efeito em prol de um ponto de vista.

Não seria grave se fosse feito pelo “Zé Trolha”, numa conversa de tasca. Mas uma investigadora, com responsabilidades académicas, devia ter feito mais e melhor, evitando vilipendiar uma área da nossa economia, daquelas que mais dificuldades enfrenta diariamente.

Mudando de assunto…

O pessoal anda todo comido da cabeça. Um conhecido meu que passa a vida a criticar a OMS, o Governo, o Capital, tudo e mais alguma coisa, publicou um texto a defender a OMS. Tudo porque o gajo não quer usar máscara.

Temos pena, o Mundo não gira à tua volta.

E é mesmo isso: o Mundo não gira à nossa volta. Gira com todos nós em cima.

Segundo o jornal Público, 180.000 pessoas estiveram nas praias da Costa da Caparica ontem. Acredito que todas disseram: “eu vou à praia, porque vou sozinha, não vai mais ninguém e eu sei manter a distância de segurança.”

E parece que, um pouco por todo o país, o cenário foi, mais ou menos, idêntico.

Repito: o Mundo não gira à nossa volta. Gira com todos nós em cima.

António Pinheiro

Profissional de marketing, músico e corredor por prazer. Corre na estrada, no monte e de um lado para o outro na vida, atrás e à frente dos filhos.