António Pinheiro

Profissional de marketing, músico e corredor por prazer. Corre na estrada, no monte e de um lado para o outro na vida, atrás e à frente dos filhos.

Dias do fim – parte 10

Maio 26th, 2020

Hoje em dia, ir à praia não me puxa. É daquelas coisas que dispenso. Aliás, aprecio muito mais a praia deserta, no Inverno. O mar revolto, as cores escuras… quanto mais frio, melhor.

Mas, recuemos uns 30 e poucos anos…

Em criança, nunca fiz férias fora. Não havia hipótese. Os meus pais, com salários baixos, não se podiam dar ao luxo (sim, as férias eram um luxo) de ir para fora, cá dentro, ou para onde fosse.

Aliás, o meu pai chegou a abdicar das férias. Era necessário amealhar para sairmos do barraco e contruir uma casa decente, digna desse nome.

Mas íamos à praia. Lembro-me de, muito pequeno, ir para Lavadores. Os meus pais adoravam esse local, ainda antes das bandeiras azuis e da costa gaiense ter-se tornado o que é hoje. Gostavam das rochas que forneciam sombra. Eu podia ficar ali, protegido, no meu canto a brincar com a areia.

Era uma longa jornada. Camioneta até Gaia e depois mais um autocarro até às praias. Autocarros apinhados, onde mal se respirava.

Mais tarde, começamos a ir para a “praia da Dinamarca”, um areal junto à Barragem de Crestuma, do lado de Gondomar. Íamos a pé. Foi a minha primeira experiência no trail. A sério. Mochila às costas, com o essencial. Água para hidratar no trajecto. Aproveitar fontes e bicas para refrescar. Atalhos pelo monte. E lá íamos nós. Talvez uns 4km.

Cada ida à praia era única. Era a cor e o perfume das minhas férias. Por isso, quando por algum motivo uma ida à praia era cancelada, o Mundo desabava. Sentava-me no sofá, olhar perdido na TV e quase chorava.

Regressemos a 2020…

Por isso, percebo o desespero, a angústia, a dor daqueles e daquelas, que têm travado uma luta diária para defender o direito de irmos todos à praia.

Percebo, mas não entendo…

É incrível que, depois de tudo o que passamos e que continuamos a passar, a praia seja o grande cavalo de batalha de tanta gente. Percebo, mas não entendo. Confesso que vejo uma certa futilidade em tudo isto… Já nem falo mais na questão sanitária, mas depois de empresas falidas, desemprego, concidadãos a passarem fome… a praia! A praia é que é. A praia é que tem que ser.

Estão 30 graus… puxa. E o que parece também puxar, são as queimadas. Realmente, a melhor coisa que se pode fazer com este calor é queimar mato. Nos últimos 3 dias, já me deparei com duas queimadas. Uma delas, no passado sábado, mesmo nas traseiras de minha casa. À noite era um cheiro a fumado que não se aguentava. Ontem, ao final da tarde, no início da Rua Eugénio Paiva Freixo, em Crestuma, era igual. Acho que consegui ver D. Sebastião no meio da fumarada.

Como a Teresa costuma dizer: “o pessoal anda doido…”

António Pinheiro

Profissional de marketing, músico e corredor por prazer. Corre na estrada, no monte e de um lado para o outro na vida, atrás e à frente dos filhos.