António Pinheiro

Profissional de marketing, músico e corredor por prazer. Corre na estrada, no monte e de um lado para o outro na vida, atrás e à frente dos filhos.

“Portugal a Cantar” – Manuel Ribeiro da Silva

Agosto 6th, 2021

CLÁSSICOS FILARMÓNICOS

4ª Temporada – “Procura aí o papel…”

 

E mais uma da série Ribeiro da Silva.

A meu ver “Portugal a Cantar”, juntamente com “Desfolhando Cantigas” e “Aguarela Popular”, formam a trilogia perfeita daquilo que é uma rapsódia com “R”.

São obras com som, cor e cheiro, que mexem com todos os nossos sentidos. Ao ouvi-las, viajamos automaticamente para uma qualquer romaria entre Douro e Minho, concerto da noite, arcos iluminados, a igreja decorada, cheiro a pipocas e bifanas, luar de Agosto, casacos nas costas das cadeiras.

O trompetista que ainda tem lábio para mais um solo, a outra banda que vai descendo do coreto para a despedida. É o dar tudo até ao fim, porque nem só de calhaus vive o homem.

A nostalgia filarmónica… a nostalgia popular… “a Festa da Senhora da Agonia e o cansaço…”

De todos os textos escritos para esta rúbrica este será o mais escasso, porque há emoções que não se escrevem.

“Portugal a Cantar”, num registo atribuído à Banda da Trofa, mas não posso afirmar com exatidão que o seja.

Tempos medievais no século XXI

Julho 29th, 2021

Cresci num meio onde o “oculto” tinha um grande peso. Os “maus-olhados”, as rezinhas, a superstição, os amuletos, as mulheres com “poderes” onde se ia de táxi, meio à socapa, mostrar peças de roupa interior ou fotografias dos entes queridos, para saber se “tinham alguma coisa”.

A ignorância de um lado. A charlatanice do outro. O obscurantismo medieval que se aproveitava (e ainda aproveita) do medo e da crendice.

“Os médicos não sabem tudo.”

Claro que não. Quem sabe é a velha que mora nos arrabaldes, debita rezas imperceptíveis e tem péssimo gosto para a decoração de interiores.

Achava eu que com o século XXI a irromper, satélites no espaço, mais e melhor formação e informação, o ser humano iria aprender a confiar definitivamente na Ciência e deixar a Idade Média.

Mas uma das coisas que esta pandemia nos mostrou foi precisamente o contrário. “Estou farto de especialistas”, li eu outro dia. “Eles não percebem nada”, “porque é que um médico sabe mais que eu? só porque estudou e leu muitos livros.”

Claro… Claro…

É o paradoxo nos nossos tempos: nunca  Ciência esteve tão avançada, nunca as pessoas desconfiaram tanto dela.

“A vacina foi desenvolvida muito rápido. Eles querem é ganhar dinheiro.”

Porque a velhinha dos arrabaldes dizia apenas “cada um dá o que quer” e as notas lá se iam amontoando.

 

Parabéns, Sociedade Filarmónica de Crestuma

Julho 2nd, 2021

Ontem, 1 de Julho de 2021, esta instituição completou 100 anos.

Foi em Maio de 1993 que, timidamente, entrei naquela casa pela primeira vez. Em Novembro do mesmo ano tinha a minha primeira aula de percussão. Em Janeiro do ano seguinte o primeiro ensaio com a Banda. A 19 de Março de 1994, o primeiro concerto.

Por lá fiquei até Novembro de 2006. 12 anos durante os quais fiz amigos para a Vida e cresci como músico e ser humano. Orgulho-me do legado que deixei na Instituição mas, acima de tudo, do legado que a Instituição deixou em mim e que agora transmite ao meu filho Lucas e a dezenas de outras crianças.

A SFC, como tantas bandas do nosso país, é a porta de entrada para a formação cívica de muitos jovens. O cumprimento de horários, o honrar uma farda, o respeito pelas hierarquias e pelos mais velhos. O valor do acordar cedo, do trabalho duro, do espírito de grupo. O mérito de nos superarmos. A beleza da Arte.

A SFC tem sido uma fonte de músicos, maestros e professores para todo o país.

É frequente cruzarmo-nos por aí, em festas e romarias, em concertos, em conservatórios e outras escolas.

As duas frases que repetimos uns aos outros são sempre as mesmas:

– E daquela vez na banda de Crestuma?

– Um dia havemos de nos encontrar lá todos.

Parabéns à banda de Crestuma e a todos os que têm um bocadinho da banda de Crestuma no seu ADN musical e humano.

Treinadores de bancada

Junho 20th, 2021

De médico, louco e treinador de bancada, todos temos um pouco.

Com qualquer um de nós, escribas da Internet, Portugal ontem tinha cilindrado a Alemanha.

Confesso que não gramo o Scolari, mas o homem teve um mérito. Sim, a meu ver, apenas um. Conseguiu unir o País em torno da Selecção, como nunca tinha acontecido, ao ponto de ninguém reparar que, como treinador era (é) muito fraquinho. Ao ponto de os seus disparates passarem, como o próprio, pelas pingas da chuva. Alguém se lembra do que aconteceu da última vez que Scolari defrontou Joachim Low.

O mesmo Joachim Low que, neste Euro de 2020, disputado em 2021, foi cilindrado pela imprensa alemã, depois de ter perdido o primeiro jogo contra a França. França que só conseguiu ganhar esse mesmo jogo com um auto-golo. França que, na boca dos 10 milhões de treinadores de bancada portugueses, vai cilindrar Portugal, mas que não conseguiu ganhar à Hungria. Hungria que, na boca dos mesmos treinadores de bancada é muito fraquinha e deveria ter sido cilindrada por Portugal que “só” lhes ganhou 3-0.

Confusos?

Eu também.

Voltando a Scolari. Desde 2004 que eu achava que o povo estava definitivamente unido à Selecção. Falávamos na primeira pessoa do plural e não na terceira. Passou tudo a ser “nós” e não “eles”. Scolari mostrou-nos que, quando se trata de selecções, o povo deve amar em vez de exigir.

Acreditei, em 2016, que tendo Portugal finalmente conquistado uma grande competição internacional, iam acabar os linchamentos de seleccionadores na praça pública. Acreditei que o “eles devem” ou o “eles deviam”, estavam definitivamente mortos e enterrados.

E, depois disso, Portugal ainda conquistou a 1ª edição da Liga das Nações.

Li ontem, algures, que os Portugueses contentam-se com pouco. Acho que não, os Portugueses não se contentam com nada, principalmente no que à bola diz respeito.

Desde terça-feira passada que está instalada, novamente, uma aura negativa em torno da Selecção. Dá ideia de que há muita gente a desejar que Portugal perca, só para dizer “eu avisei” e confirmar o seu estatuto de treinador de bancada, nível 4, credenciado pela Fifabook.

Portugal ganhou 3-0 à Hungria (que é muito fraquinha como se viu ontem contra a toda-poderosa França que nos vai cilindrar) e havia mais posts nas redes sociais de ira contra o treinador, do que a festejar a vitória.

Acredito que ontem, muita gente, festejou cada um dos quatro golos alemães: “estão a ver? eu disse que eles não jogam nada! eu disse que os dois trincos não resultam!”

O trabalho de Scolari foi por água abaixo. É novamente o “eu” acima do “nós”. “Eles que corram que ganham muito dinheiro! Só fomos campeões em 2016 por sorte!”

Quanto a mim, que ainda só tenho o nível 1 de treinador de bancada, acredito piamente que vamos ganhar à França e vamos seguir em frente. Temos jogadores e equipa para isso. Não sei é se o Povo merece. Honestamente, espero que jogadores e equipa técnica andem desligados das redes sociais se não, ao lerem o que se tem dito deles, fazem as malas e vêm embora. “Era o que faziam melhor! Párem de nos envergonhar!” (grita o povo atrás do teclado)

A boa notícia é que, caso a coisa corra mal e Fernando Santos deixe o comando técnico da Selecção Nacional no fim deste Euro, tenho na minha lista de amigos facebookianos dezenas deles capazes de fazerem bem melhor.

Os rankings da Vida

Maio 28th, 2021

Há dias, o meu filho mais velho (Lucas, 9 anos) perguntava-me o que era a Estatística. Apesar de, na minha profissão, a Estatística ser uma das mais importantes ferramentas de trabalho, tive uma certa dificuldade em responder. Dei-lhe exemplos.

A Estatística terá tanto de exacto, como de incorrecto. Se estiverem juntas duas pessoas, com dois frangos e uma delas comer os dois, a Estatística dirá que, em média, cada uma comeu um frango. Por isso, é que os dados estatísticos carecem ser interpretados por quem os saiba interpretar. E devem ser lidos dessa forma: dados.

Todos os anos, quando são publicados os rankings das escolas, formam-se de imediato duas barricadas, assentes na ausência de interpretação crítica dos dados apresentados.

De um lado, os defensores dos méritos (inegáveis) do ensino privado, que descuram um factor importante: quem estuda nessas escolas, normalmente, provém de uma estrutura económica, familiar e social que facilita a aprendizagem e a obtenção de bons resultados.

Do outro, aqueles que atribuem a responsabilidade dos resultados menos bons das escolas públicas, à estrutura económica, familiar e social dos alunos que as frequentam.

Não me revejo em nenhuma das trincheiras. Ambos assentam a argumentação em parte dos dados, ou até na ausência deles.

Ainda esta semana, circulou um texto nas redes sociais que, depois de esprimido, basicamente postula que, quem nasce num meio mais desfavorecido, está condenado ao insucesso. Uma longa retórica para justificar uma visão puramente ideológica. E, analisar dados, com os óculos da ideologia, costuma dar mal resultado.

Para refutar esta visão e também a primeira (porque também há excelentes alunos nas escolas públicas…) partilho duas histórias. A primeira, minha, que publiquei originalmente em Junho de 2018 na minha página de Facebook.

A segunda, em vídeo, de um emocionante testemunho de Carlos Guimarães Pinto.

Leiam. Ouçam. Reflictam e tirem as vossas conclusões:

«“Como é que aguentas?”
Respondo com um sorriso, com a personalidade, com o treino, com o estudo, com a experiência… Mas a resposta é bem mais longa.
Até aos 14 anos vivi numa “casa” que de casa tinha apenas o nome. Três divisões: quarto dos meus pais, sala e cozinha, na qual um biombo separava a cama onde dormia com a minha avó da cozinha, propriamente dita.
Não, não havia casa-de-banho. Tínhamos uma retrete no exterior e agora imaginem o que era ter que lá ir numa noite de inverno. Para tomar banho? Deixo à vossa imaginação, mas adianto-vos que na “casa” havia apenas uma torneira, de água fria. Ah! Torneira essa que foi instalada em meados dos anos 80. Antes disso, era necessário ir a um poço vizinho acartar água em baldes.
Mas, apesar de não ter uma casa, tinha um Lar. Mesmo nos períodos em que o meu pai chegava a casa, comia à pressa e saía para um segundo trabalho, porque era preciso amealhar todos os centavos para a nova e verdadeira casa.
Também por isso, eram parcas as prendas no Natal e nos anos. Também por isso, nunca tive uma bicicleta, uma consola… Felizmente, havia sempre dinheiro para livros e até houve um Natal em que entreguei uma lista de títulos à minha Mãe. “Um destes… está bom…”
Ela comprou-mos todos. Metade chegaram no Natal, a outra metade, uma semana depois, no meu aniversário.
“Como é que aguentas?”
Nunca tive grandes opções. Era assim e eu tinha que me adaptar. Na Escola não podia chumbar, porque um ano de atraso podia significar ter que abandonar os estudos e ir trabalhar para ajudar as contas da casa.
“Agarra-te aos livros”, dizia o meu Pai, como se fosse preciso incentivar-me a fazer o que eu mais gostava. Além do mais, eu sabia que as esperanças da Família estavam depositadas em mim.
Foi no dia de S. João de 1994 que, finalmente, nos mudamos para a casa que tinha sido construída com tanto suor e ainda mais lágrimas. Aos 13 anos, finalmente, tinha o meu quarto, a minha própria cama. Não tínhamos uma, mas duas casas-de-banho!
Quando fui para a faculdade, os meus pais foram claros: “Se chumbares um ano, não tem mal, sabemos que o ensino superior é difícil e a mudança é radical… mas mais do que isso, não podemos suportar, terás que ir trabalhar.”
“Como é que aguentas?”
Com o dinheiro que, entretanto, fui ganhando na música, paguei a minha carta de condução e, claro, terminei a licenciatura “sem espinhas”.
Depois disto tudo, é “fácil” aguentar qualquer coisa. É fácil perceber que nada te cai do céu. Um dia, vieram ter com o meu pai a prometer-me um bom emprego. A pessoa que o fez, tempos depois, até fugia de mim na rua. Ainda bem que a “cunha” saiu ao lado. Hoje não devo favores a ninguém, a não ser a mim próprio e a quem me criou.
“Como é que aguentas?”
Semana passada, alguém me ligou sem querer e pude ouvir do outro lado, numa conversa, que sou “um gajo muito porreiro, bem educado, bom rapaz… vamos pedir ajuda ao Pinheiro”. Lembrei-me imediatamente da minha Mãe. Como queria poder dizer-lhe: “tudo correu bem, o teu plano deu certo, eu estou aqui, com tu sempre quiseste… ”
“Como é que aguentas?”
A minha Mãe partiu cedo de mais e tive que ser eu a dizê-lo ao meu Pai; a minha Sogra partiu cedo de mais e tive que ser eu a dizê-lo à minha Mulher; a minha avó partiu numa Véspera de Natal e tive que ser eu a dizer… a toda a gente, pois estava sozinho com ela em casa…
Depois disto tudo, é “fácil” aguentar qualquer coisa…
P.S. – Este texto entrou-me pela cabeça esta manhã, quando levava o Eduardo ao Infantário e repeti-lhe baixinho uma promessa que lhe faço todos os dias, desde que nasceu…»

No Porto só festejamos títulos

Maio 17th, 2021

(mesmo quando não nos deixam… outros têm melhor sorte)

É esta uma das maiores Heranças da História Nobre de uma Cidade com mil anos, Invicta, cujo brasão “abençoado” o Clube orgulhosamente ostenta. O Clube, um dos baluartes de um Povo (“aqueles lá do Norte”) que, em pleno século XXI, ainda tem que gritar para ser ouvido. No Desporto, na Política, na Economia, num país demasiado pequeno para ser tão inclinado. Outros quinhentos, ou não.

 

Por aqui, ser segundo não é opção. É igual a ser último.

 

“É azia”. Sim, muita azia e quem não sente azia “não é bom chefe de família”. Não é mau perder. É ficar chateado (para não dizer outra coisa) por perder. Essa azia, acaba por ser o motor dos vencedores, ou, dos que ganham mais vezes.

 

É assim que os portistas se sentem quando perdem. Como se fossem o último, como se descessem de divisão para o 9º Círculo do Inferno. E, depois de cair, queremos logo levantarmo-nos e levar tudo à frente. É o célebre “Grito de Revolta” de 2010/2011, último campeonato do Porto que me “soube bem”, como uma boa francesinha, ou pratada de tripas. André Vilas Boas, ainda a meio dos festejos dizia “agora, vamos ser campeões sem derrotas” e foi. A diferença entre os que perdem de vez em quando e os que ganham de vez em quando.

 

A partir daí, é tudo tremoço.

 

2020/2021.

 

Porto, clube sitiado (como foi sitiada a Cidade pelas autoridades, aquando dos festejos do título passado): pelo plantel dos 100 milhões, pelo Jesus que nos ia fazer “borrar de medo”, pelas “Varandas” da antiga bazófia marialva, pelo cinismo da falsa modéstia e por uma comunicação social ao serviço da Segunda Circular.

 

Até os auto apelidados “Guerreiros” (lol) do Minho, resumiram a sua “promissora” época a 3 jogos com o Porto no início do ano. Em campo, jogaram como cães raivosos, sedentos de sangue. Pouco tempo depois, pouco mais foram que caniches inofensivos. Entrem, entrem… “mi casa es su casa.” Caiu a máscara a Carvalhal.

 

O Porto, equipa esfrangalhada, pelos jogos de 3 em 3 dias, pelas entradas assassinas dos adversários, pela exigência de alguém ter que representar Portugal decentemente lá fora.

 

E, quando Portugal em coro declarava amor incondicional à Juventus das “Dolores” desta vida, Sérgio Oliveira deu um pontapé na inveja lusitana e meteu-a (a bola) lá dentro. O mesmo Sérgio Oliveira que dias antes tinha sido arrastado na lama pela imprensa. 

 

Como foi e continua a ser Francisco Conceição, que até na Selecção Nacional é gozado pelos do costume. Abutres.

 

Abutres que amplificavam ao infinito uma agressão a um jornalista, por alguém que nem funcionário do clube é. 24 horas depois de, em Braga, um funcionário de um dos clubes de “Lisbon”, erguer-se em fúria para agredir um sexagenário. Mas isso, os abutres fingiram não ver. Passou. Acontece.

 

Enquanto isso, a imprensa estrangeira continuava a elogiar o Porto, colocando-o como merecedor das meias-finais da Champions. E, por falar em Champions, não deixa de ser engraçado que a única equipa que bateu o pé aos dois finalistas britânicos foi o mal amado Porto. “Contra os Bretões, marchar, marchar”, dizia a versão original do nosso Hino.

 

Trambolhão, atrás de trambolhão, o Porto viu um jogador seu sair de ambulância do relvado e outro ser expulso porque, pasme-se, rematou à baliza. Curioso desporto este, de 90 minutos, onde tantos jogos são ganhos nas horas extra. É a resiliência. A estrelinha, o querer, a vontade.

 

O primeiro lugar até ficou perto, para espanto e fúria do Terreiro do Paço e dos avençados arautos. Então, a Santa Aliança saiu das sombras e todos perceberam o desígnio nacional de ter “Lisbon” no topo.

 

Mas quem cai, por vezes, fica no chão a atrapalhar e nem uma mal ensaiada peça de teatro no teatro da Luz, também conhecido como Salão de Festas, local com crónicos problemas de iluminação e canalização, impediu os “Andrades” de figurarem no segundo lugar, a meter nojo. Tanta discussão sobre a guarda de honra e esta foi feita ao contrário.

 

No Porto só festejamos títulos (mesmo quando não nos deixam… outros têm melhor sorte).

 

Mas, depois de uma época que foi uma guerra constante, este segundo lugar é um milagre.

 

E, se os portistas pensam que acabou, desenganem-se. Está apenas a começar… 

O meu carro cheira a comida

Janeiro 21st, 2021

O meu carro cheira a comida, porque é lá que posso e tenho que almoçar.

O meu carro cheira a comida, porque vi a tristeza e o desespero nos olhos do proprietário do pequeno café onde normalmente almoçaria, o esforço que faz, há meses, para manter o seu negócio aberto e os postos de trabalho.

O meu carro cheira a comida, porque o trabalho que, entre Março e Maio fiz em casa, que aos fins de semana faço em casa, que nas férias faço em casa, “não é susceptível de ser realizado em teletrabalho”.

O meu carro cheira a comida, porque houve “Avantes”, peregrinações, congressos e jantares.

O meu carro cheira a comida, porque no Natal ouvi gente orgulhosamente a dizer que ia ter a casa cheia e no ano novo vi fotos, vídeos e “lives” que me deram a volta ao estômago.

O meu carro cheira a comida, porque ainda há negacionistas e chalupas que insistem em dizer que isto é tudo uma farsa.

O meu carro cheira a comida, porque ainda há quem prefira por as culpas no Governo, no PR, em Deus e no Diabo, enquanto se recusa a fazer a sua parte.

O meu carro cheira a comida, porque ainda há quem se ache a cima da lei.

O meu carro cheira a comida, porque seja qual for a regra, todos procuram contorná-la em vez de cumpri-la.

O meu carro cheira a comida, porque… ninguém quer saber, ou então só quer saber de si.

O meu carro cheira a comida…

…talvez deixe de cheirar a comida quando for proibido ficar em casa.

“Eu, eu, eu… tudo eu!”

Janeiro 14th, 2021

Ponto prévio: não votei, não voto, nunca votaria no António Costa.

Ao longo do dia de ontem fiz uma aposta comigo mesmo: “sejam quais forem as medidas anunciadas pelo PM, no minuto seguinte, as redes sociais vão encher-se de críticos.”

Ganhei.

Está a morrer gente. Muita gente. Seja COVID, seja de outra coisa qualquer. O SNS está à beira do colapso (se é que já não está em colapso), os profissionais de saúde andam exaustos…

E, perante isto, toda a gente olha para o seu umbigo.

Ninguém se apercebe da dimensão da catástrofe iminente?

Quantas mais pessoas têm que morrer? Quantas mais empresas têm que falir? Quantos mais desempregados?

Custa assim tanto, por um mês, uma semana, um dia que seja, começarmos a pensar que vivemos em comunidade?

Até eu, egoísta assumido, percebo que isto não é sobre cada um, é sobre todos.

As escolas continuam abertas: chorrilho de críticas. Se tivessem sido fechadas, as críticas seriam em igual número.

Os mesmos que reclamam de não haver público nos estádios, agora reclamam de os jogos continuarem.

E os exemplos multiplicam-se.

Seja qual for o lado para onde a agulha penda, não é possível agradar a todos.

Eu não sou ninguém mas, mais que criticarem o Governo ou destilarem ódio nas redes sociais, façam a vossa parte, porque é isso que continua a falhar: fazermos TODOS a nossa parte.

António Pinheiro

Profissional de marketing, músico e corredor por prazer. Corre na estrada, no monte e de um lado para o outro na vida, atrás e à frente dos filhos.