António Pinheiro

Profissional de marketing, músico e corredor por prazer. Corre na estrada, no monte e de um lado para o outro na vida, atrás e à frente dos filhos.

E se fosse contigo? Ria às gargalhadas.

Março 29th, 2022

Quem nunca contou (ou riu de) uma piada parva, racista, homofóbica, de humor negro, maldosa, que atire o primeiro estalo.

Quem nunca riu ao ver os cromos esbardalharem-se ao comprido no “Isto Só Vídeo”, que atire o segundo.

Quem nunca ofendeu ninguém na vida, propositada, ou acidentalmente, que atire o terceiro.

Somos assim, enquanto humanos. Por muito que enverguemos uma hipócrita capa de educadinhos, atinadinhos e respeitadores, há sempre um momento das nossas vidas em que rimos da desgraça alheia.

A pantomina entre Will Smith e Chris Rock levantou novamente a lebre dos limites no humor. Enquanto defensor acérrimo que, no humor, principalmente no humor, não deve haver limites, ouço muitas vezes “e se fosse contigo?”. Se fosse comigo eu ria-me.

Posso ser um gajo estranho, mas acho que uma das melhores formas de lidar com a tragédia é o humor. É rir e mostrar que estamos vivos.

Sei que nem todos pensam assim e entendo. É sempre mais fácil chorar.

“Oh… estás doente? dói muito, não é? tenho tanta pena de ti…” Mas, se algum dia (cruzes canhoto!) eu for visitado por uma doença grave, por favor, façam-me rir e não tenham pena.

A pantomina entre Will Smith e Chris Rock revelou também a extensa hipocrisia das últimas semanas, relativamente à invasão da Ucrânia.

Muitos dos que enchem as redes sociais com “stop the war”, aplaudiram o estaladão. Muitos dos pacifistas de pacotilha acham bem uma pessoa ser agredida enquanto (bem ou mal) faz o seu trabalho. Muitos dos “fuck Putin”, legitimam a violência.

“Ah… mas o Chris Rock ofendeu a mulher do Will Smith!”

Pronto, e o Putin também se sentiu ofendido por a Ucrânia querer aderir à NATO. E agora?

É frequente os mais velhos manifestarem preocupação com a “perda de valores da sociedade”. Eu preocupo-me com a perda do sentido de Humor, da capacidade de nos rirmos das situações mais tristes, duras e negras da nossa vida. Preocupo-me que estamos a construir uma sociedade cinzenta, esterilizada, sem cor, sem cheiro, insípida.

Aqui há dias, ouvia uma figura da rádio portuguesa, falar da sua doença, de uma forma bem humorada, divertida, que me fez aprender mais sobre essa doença, do que qualquer discurso carregado de seriedade e cinzentismo.

Não acham piada? Ofende-vos? Estão no vosso direito, mas esse direito não implica agredir ninguém.

O Chris Rock não se pôs a jeito para levar um estalo. A Ucrânia não se pôs a jeito para ser invadida. Uma rapariga seminua não se põe a jeito para ser violada.

A violência é sempre, sempre, sempre culpa do agressor e normalizar isso é ser cúmplice.

António Pinheiro

Profissional de marketing, músico e corredor por prazer. Corre na estrada, no monte e de um lado para o outro na vida, atrás e à frente dos filhos.