António Pinheiro

Profissional de marketing, músico e corredor por prazer. Corre na estrada, no monte e de um lado para o outro na vida, atrás e à frente dos filhos.

UTSF 2016: Um “Finisher” que não devia ter sido

Junho 27th, 2016

Haveria muitas maneiras de começar esta história. Dei muitas voltas à cabeça. Mas, há pouco, deparei-me com um comentário do Pedro Machado que me tirou as dúvidas e, aqui vai:

  • o meu prémio de “Finisher” do Ultra Trail Serra da Freita 2016 vai inteirinho para a minha esposa: Teresa Sala.

Para perceberem o que é a “Freita”, recomendo a leitura do texto do Rui Pinho Os Filhos da Freita. Vão lá espreitar e, só depois, venham ler isto.

Quando, em 2015, conclui esta prova, senti-me capaz de fazer qualquer coisa. Tinha superado aquela que é a prova Rainha e Mãe do Trail Nacional. Uma prova “extreme, para atletas de elite”, como define o seu grande mentor, José Moutinho.

Era certo que voltaria, porque a Freita é hipnótica e é impossível ficarmos longe. Tudo chama por nós, mesmo o sofrimento.

Talvez pela experiência do ano passado e pela “memória” que o meu corpo tinha daqueles trilhos, ultrapassei os primeiros 33km sem grandes dificuldades. O meu ego inchava. Recebi um abraço do Moutinho ainda antes dos 9km e palavras de incentivo do João Oliveira (sim! desse João Oliveira…) que me chamou “campeão” (lol!). Entrei na “Besta” à confiança, ultrapassando-a em menos de 1h (ou estou a ver mal o gráfico?), sem parar, sem as dores e as câimbras do ano passado. Cheguei ao topo e ainda tive tempo e boa disposição para pegar com o Luis Pereira, grande arquitecto dos Trilhos do Paleozóico.

As coisas corriam de feição e deslarguei-me pela descida que se seguiu, saltando alegremente de pedra em pedra.

No abastecimento de Manhouce lá estava a Carmen a cortar tomates. Passou a manhã a cortar tomates. Devia ter ficado aqui mais um pouco. Devia ter comido um pouco melhor. Mas eu queria correr dali para fora, porque a seguir viria a zona de SPA.

Viria. No trajecto de 2015, foi nesta zona que eu e o Ricardo Monteiro nos deliciamos com os riachos da Freita. Mas, para 2016, o Moutinho tinha reservado uma subida… uma longa subida, quase 3km, onde por pouco levei com a “marreta” (essa, viria mais tarde).

Na descida recuperei o fôlego e o ânimo. O Jerome (vencedor da prova de 100km… que animal!) passa por mim a voar, enquanto eu pensava em que calhau punha os pés.

Finalmente o SPA! Acreditei, na minha inocência, que as frescas águas seriam o bálsamo suficiente para chegar à Lomba, que era já mesmo ali, e desfrutar do abastecimento quente: canja, bifanas e as famosas minis.

Não. Haveria mais que descer. E tudo o que desce tem que subir. Vimos a Lomba passar ao lado e aquela interminável descida não augurava nada de bom.

Tudo o que desce tem que subir. Eram as Escadas do Martírio, que eu baptizei como a Besta 2.

Tive que parar várias vezes, derrotado, desanimado. “Vou desistir na Lomba.”

Estava farto daquilo. Não queria mais. Era “moutinhada” a mais para mim. O Carlos Sá diz que anda à procura dos limites dele. Eu encontrei os meus ali, naquela escadaria maldita.

Ia desistir na Freita. Não é vergonha nenhuma. Como também já li hoje, na Freita “não há desistentes, há aqueles que chegam mais longe.”

No abastecimento, enquanto comia e pensava na melhor forma de dizer à Teresa “vou desistir”, toda a gente tentava animar-me: voluntários, vassouras, malta que andava por ali… “Desistir? Agora? Está quase!”

Quase??? Faltavam 22km! Quase…

Peguei no telefone e liguei para a Teresa.

“Vou desistir, não aguento mais.”
Resposta: “Mas porque não tentas?”

E nisto o coro de apoiantes repete: “Não desistes nada!”

E eu feito burro, não desisti.

A partir dali, foi um martírio. Foram poucos os momentos em que consegui correr e, nos 5km finais, já nem caminhava. Acho que os zombies do Walking Dead têm mais destreza de movimentos que eu tive naquela altura.

Chegada a Arouca. Havia gente. Ouvi aplausos. A Teresa e a Mãe estavam lá a sorrir. Bolas… Ouço uma voz que diz “esta já ninguém te tira”. Começo a chorar e penso “esta é aquela que eu não queria ter”. Entrei no Pavilhão a correr, porque… sei lá. Mas senti-me derrotado no pórtico da meta. Assim não.

Valeu naquela altura e extrema simpatia dos voluntários que estavam na meta e a forma efusiva como me deram a medalha, o prémio de “finisher” e me tiraram fotografias. Valeram as palavras do Paulo Rodrigues (muito e muito obrigado!).

Mas valeu sobretudo pela presença única da pessoa que merece a medalha, merece o prémio e todas as honras. Depois da prova, já em casa, ainda teve a paciência para me tratar das várias feridas espalhadas pelo corpo, mas sobretudo na alma.

Que grande mulher eu tenho do meu lado…

“Isto era escusado…”

Voltarei à Freita? Sem dúvida, nem que seja para fazer o trail curto, a caminhada, ou como voluntário para estar num abastecimento a dar força ao pessoal. Talvez tente outra vez os 65… não há duas sem três…

É hipnótico. Não conseguimos abandoná-la.

Obrigado a todos os que de uma forma ou outra me apoiaram nesta aventura. Para além dos já mencionados, acrescento: Prazeres Pires, Sérgio Duarte, Barras Olimpo, Duas Faces Comunicação, José Ferreira, Mário Meneses, Rui Pinho, António Morais, Liliana Gomes, Raquel Campos, Pedro Machado, Sofia Ferreira e a todos os atletas que, ao longo dos 65km foram partilhando alguns kilometros comigo.

Até à próxima!

António Pinheiro

Profissional de marketing, músico e corredor por prazer. Corre na estrada, no monte e de um lado para o outro na vida, atrás e à frente dos filhos.