António Pinheiro

Profissional de marketing, músico e corredor por prazer. Corre na estrada, no monte e de um lado para o outro na vida, atrás e à frente dos filhos.

“Português Suave” – Carlos Marques

Junho 1st, 2021

(texto inicialmente publicado no Facebook a 4 de Maio de 2021)

Todos reconhecemos que as rapsódias “à moda antiga” são inigualáveis, mas houve uma altura em que já estávamos fartos de terminar as festas com meia-hora de marchas, fados, viras e malhões, depois e termos passado todo o dia a “malhar”.
Por isso, quando ouvimos o “Português Suave” pela primeira vez, ficamos rendidos.
8 minutos, temas bem conhecidos do nosso imaginário, numa linguagem actual, por vezes swingada, outras vezes “rockada”, com a banda soar como uma big band, sem faltar a tradicional marcha final, com um flautim feérico.
Carlos Marques mostra-se nesta obra um exímio conhecedor da linguagem da música ligeira, fruto da sua experiência nesta área, nomeadamente nos 9 anos em que tocou trompete na Orquestra Ligeira do Exército. Aliás, para esta orquestra foi também compositor e, nesse reportório, há um tema chamado “Memórias I”. Procurem no Youtube e depois digam-me se reconhecem.
Por incrível que pareça, tive dificuldade em encontrar boas gravações disto no Youtube.
Por isso, novamente a Banda de Famalicão, dirigida pelo Manuel Fernando Marinho Costa.

“A Divina Comédia -1ª parte – Inferno” – Cesare San Fiorenzo

Junho 1st, 2021

(texto inicialmente publicado no Facebook, a 3 de Maio de 2021)

Antes de Robert Smith, quando a malta das filarmónicas queria invocar os 9 Círculos do Inferno recorria a Cesare San Fiorenzo (e não Camilo, como se vê por aí, às vezes).
Compositor italiano, viveu entre 1833 e 1909 e ganhou notoriedade com suas inúmeras obras instrumentais e corais. As mais proeminentes no género dramático e sinfónico foram a ópera “O Taumaturgo”, estreada no Teatro Dal Verme em Milão em 1879, e a trilogia da “Divina Comédia”, inspirada em Dante.
A filarmonia portuguesa deteve-se n’ “O Inferno” e, em boa hora.
Obra monumental (que até já vi creditada a Carl Friedmann…), tem de tudo um pouco e puxa, como poucas, por todos os naipes da banda. É certo que a maior parte do pessoal concentra-se no violento e grandioso forte final, mas a obra tem outras secções interessantes, como a imediatamente anterior a essa, a imediatamente anterior a essa, a imediatamente anterior a essa… e por aí adiante até ao obscuro início com a melodia depositada nos graves.
Para tocar o Inferno é preciso Técnica, Força, Técnica com Força e Força com Técnica.
O Inferno é um “calhau” dos antigos, mas belo… muito belo.
Com esta obra tenho duas histórias engraçadas:
1º – Uma vez quase desmaiava durante a secção final. Calor imenso, coreto pequenino e baixinho, quando o maestro cortou a suspensão final eu já via tudo a andar à roda;
2º – Estava eu num “ganso” e sai o Inferno para a estante. Quer o Maestro, quer o chefe de naipe (meu amigo), mandaram-me para os pratos. Preparo-me para tocar e pergunta o colega do bombo: “conhece isto?”
Vi logo que a pergunta tinha rasteira e respondi: “Não.” (na altura já tinha o papel mais que de cor).
“Isto é complicado… sabe… e muito rápido.”
“Pois… eu fico atento…”
Quando a obra entra no final, o colega que estava tão preocupado comigo, meteu àgua de tal forma que fez naufragar a Barca de Caronte (se não sabem o que é a Barca de Caronte, não são dignos de tocar o Inferno).
No fim, pousei os pratos e conclui: “Pois… isto é complicado e muito rápido.”
Uma boa semana a todos e que esta segunda-feira não seja um Inferno.
Banda da Trofa, sob a direcção de Luís Filipe Brandão Campos.

“Incógnita” – Ângelo Moreira

Junho 1st, 2021
(texto inicialmente publicado no Facebook, a 2 de Maio de 2021)
Este clássico é mesmo clássico. É daqueles lá do fundo da pasta, já com papeis amarelados.
Lembro-me do primeiro despique a que assisti, poucos meses antes do meu concerto de estreia. Setembro de 1993, Festa da Sra. dos Remédios, Seixo-Alvo. Banda de Lever e Banda de Paramos.
A dada altura, sai isto do coreto da Banda de Paramos. No quadro onde era apresentado o nome das obras: “Incógnita”.
E, durante anos, fiquei a pensar que ninguém saberia o título da obra e, portanto, passou a ser a Incógnita.
O autor desta abertura no estilo filarmónico clássico português é Ângelo Moreira, nada mais nada mesmo, que o Ângelo Moreira da Pérola 59.
Se alguém souber porque é que a Incógnita se chama Incógnita e há um 59 à frente da Pérola, partilhem. Quero mesmo saber.
Ah… aquele solozinho de trompete para fazer chorar as pedras do adro.
Sim, porque a esta hora já está o adro cheio de gente à volta do coreto.
É Domingo e esta obra soa mesmo a Domingo.
Sociedade Filarmónica de Vilarchão, dirigida por Eduardo Carvalho.

“Arco-Íris” – Duarte Pestana

Junho 1st, 2021
(texto inicialmente publicado no Facebook a 1 de Maio de 2021)
Série Pestana – Fantasia n. 2
Quanto a vocês não sei mas, para mim, bastava o Arco-Íris para decidir que Duarte Pestana era um génio da composição e orquestração.
1952.
Ano de composição desta grandiosa e complexa obra que, ainda hoje se reveste de actualidade.
Tocar isto, para além da exigência técnica, é um desafio interpretativo e de concentração.
Mas vale bem a pena, transpirar cada compasso.
Arco-Íris é tudo, é marcha, fado, jazz e rapsódia. É ingenuidade, amor, paixão, sofrimento e loucura. É Música para além da Pauta e Arte para além da Música.
Aqui na leitura do maestro Manuel Fernando Marinho Costa à frente da Banda Sinfónica do Conservatório de Música do Porto.

“Transfiguração” – António Almeida da Silva

Maio 31st, 2021

Texto inicialmente publicado no Facebook, a 30 de Abril de 2021

 

Hoje até está um dia lindo de sol, vamos à procissão?

Lembro-me da primeira vez que ouvi isto, no carro de um amigo músico que, infelizmente, já não está entre nós:
“Ah… que marcha de procissão gira… ui… isto é uma marcha de procissão? Parece uma balada rock aqui a meio…”
A seguir à “Invocação a Deus” esta deve ser a marcha de procissão mais tocada (a “Invocação” também mais antiga…).
Sei muito pouco sobre a marcha. A mesma está creditada a António Almeida da Silva, com harmonização de Amílcar Morais. E é verdade que soa bem a Amílcar Morais.
Se alguém puder dar algum contributo adicional sobre a origem da marcha, agradeço.
Fica aqui a “studio version” da Banda de Coimbrões, dirigida por José Alexandre Sousa.

“Ross Roy” – Jacob de Haan

Maio 31st, 2021

Texto inicialmente publicado no Facebook, a 29 de Abril de 2021

Olhando com uma certa distância para esta obra, acho que, em essência, não é nada de extraordinário. Mas teve um importante papel na altura em que caiu nas nossas estantes. Abriu as nossas mentes para outros tipos de música e outras sonoridades.
Antes de Ross Roy, Jacob de Haan já andava por aí disfarçado de Ron Sebregts, com os seus arranjos ligeiros, e em nome próprio com o famoso “Oregon”, que também chegou a ter bastante protagonismo em finais dos anos 90, inícios dos anos 2000.
Mas foi Ross Roy que nos fez perceber, de forma lapidar, que as bandas poderiam soar de outra forma, que não estávamos condenados a tocar transcrições para o resto da vida e que os naipes de percussão tinham que, forçosamente, começar a alargar em recursos humanos e materiais. Os tempos de caixa, bombo e pratos. Tinham chegado ao fim.
E, ainda hoje, o Ross Roy continua a ser “rompidinho”. Como outras peças já abordadas aqui, fica sempre bem e dá para preencher aquele espacinho antes da missa, ou da procissão.
Obra encomendada a Jacob de Haan pela “St. Peters Wind Symphony” de Brisbane, Austrália. “Ross Roy” é o palacete monumental de finais do século XIX onde o St. Peters Lutheran College foi fundado em 1945. O palacete sempre foi o símbolo da escola. Nesta composição, Jacob de Haan vê o “Ross Roy” como uma metáfora dos anos passados na escola (um monumento no tempo), onde se forma a personalidade.
“Ross Roy” aborda temas como a disciplina, a amizade e a multiplicidade de culturas da escola. Foi estreado a 22 de Agosto de 1997.
Aqui fica na interpretação da Banda Comércio e Indústria das Caldas da Rainha, dirigida pelo próprio compositor.

“Palha Blanco” – Afonso Alves

Maio 31st, 2021
Texto publicado originalmente, a 28 de Abril de 2021, no Facebook:
Hoje eu teria tanto, mas tanto para escrever… Vou tentar não dispersar.
A secção 2/4 desta obra é das coisas mais lindas jamais escritas para banda. Em Portugal e no Mundo. Há ali qualquer coisa na melodia, na harmonia, no ritmo, que me faz arrepiar de alto abaixo… Não sei bem o quê, não consigo descrever, mas quando chega aos compassos entre o minuto 2’09 e 2’14 eu viajo sei lá para onde… Aquilo “bate” de uma maneira…
Claro que sou suspeito, porque sou amigo e admirador do compositor, mas acho que pouca gente ficará indiferente ao “Palha Blanco”.
“Palha Blanco” é uma obra recente (15 anos) mas é e será um clássico.
Em 2006, realizava-se a primeira edição do concurso de Vila Franca e Afonso Alves recebia a encomenda para escrever a obra obrigatória da secção “Tauromaquia”. Nascia assim um dos mais belos e emocionantes pasodobles “taurinos” do Mundo. E não estou a exagerar. Ou, talvez esteja, mas a música é emoção e esta, em concreto, emociona-me.
Curiosamente, foi nesse ano que comecei a privar com o Afonso e, aquilo que começou por ser uma relação de Maestro-Músico, tornou-se numa relação de amizade que muito prezo.
Daqui a uns tempos falaremos de outra obra marcante de Afonso Alves mas, para já, fiquem com estas palavras:
“Compor é uma necessidade, é algo que faz parte de mim.
Preciso de respirar, alimentar-me, cuidar-me fisicamente e … compor.
Quando deixar de o fazer é porque uma parte de mim morreu.”
E aqui fica a música de Afonso Alves, pela Banda de Vilela, sob a batuta do José Ricardo Freitas:

“1812” – Tchaikovsky

Maio 31st, 2021
Texto inicialmente publicado no Facebook, a 27 de Abril, de 2021
“Abertura Solene para o Ano de 1812 op. 49”
Abertura de Concerto para Orquestra Sinfónica com Banda, Artilharia e Sinos.
Um dia tinha que ser… Vamos lá ganhar fôlego.
Porque é que as bandas gostam tanto disto?
A resposta deve estar nas duas primeiras linhas da partitura original de orquestra.
Banda.
As primeiras duas linhas são para “Banda”: instrumentação “aberta” que consiste em “quaisquer instrumentos de metal extra” disponíveis. Nalgumas apresentações em ambientes fechados, a parte pode ser tocada num órgão. Bandas militares ou marciais também desempenham esse papel. Nota: a banda de música ou seu substituto deve tocar apenas durante o final.
Não sei se quando Tchaikovsky incluiu este “acrescento” na sua partitura tinha a noção de que séculos mais tarde, o “1812” seria um hit nas bandas. E, como todos os hits, é muito mal tocadinho.
Mas, curiosamente, até acho que, na última década temos assistido a interpretações cada vez melhores do “12” em arraial. Mais equilibradas, menos gritadas, no fundo, com mais cuidado.
Mas também, o que podemos esperar de uma obra onde o bombo tem que mandar tiros de canhão? Onde temos que malhar no carrilhão até aquilo empenar? É inevitável.
Partilho a interpretação da Banda de Golães, dirigida pelo Filipe Fonseca.

António Pinheiro

Profissional de marketing, músico e corredor por prazer. Corre na estrada, no monte e de um lado para o outro na vida, atrás e à frente dos filhos.