No princípio era eu. Eu e a minha solidão. O Mundo, aí, fazia sentido. Moldado à minha imagem, acontecia comigo. “Faça-se luz” eu disse, e a luz surgiu. Quis viajar, então criei rios e mares onde naveguei e descobri o Mundo. “Crescei e multiplicai-vos” e à minha volta multiplicaram-se amigos e inimigos, e já não era só eu e a solidão, mas pela primeira vez senti-me só.
Tinha amigos e inimigos, mas estava só. Pela primeira vez senti que precisava de ti.
Então, criei a música. Precisava de uma banda sonora para embarcar na minha mais ambiciosa demanda.
Encontrei-te numa quente noite de Inverno. Bati à tua porta, mas não sabias que era eu e continuaste, calmamente, a beber o teu chá.
Encontrei-te na baixa. O Natal estava perto e havia muita gente na rua. Corri aos encontrões com a multidão e confundi-te no rosto de alguém parecido contigo.
Encontramo-nos, um dia, à espera do autocarro. Já não me sentia só e tu sabias quem eu era. Quando pensava que eras minha para sempre, partiste e senti que, tudo o que tinha criado partira contigo.
Errei, então, por becos sem saída. Embriaguei-me, droguei-me, criei uma banda sonora de horror.
Um dia telefonaste-me. Marcamos um encontro, mas só querias brincar comigo. Fui um objecto nas tuas mãos, mas saltei fora a tempo. A banda sonora de horror continuava e aproximava-se dos últimos compassos.
Chegou a suspensão final e procurei nos meus arquivos a partitura da felicidade. Finalmente, eras tu! Já não eram enganos ou confusões. Era o fim da minha demanda. O meu Graal, a minha Jerusalém estava ali, dormindo no meu colo. Naquele momento senti que serias minha para sempre.
A banda sonora entrou num interminável “allegro”.