António Pinheiro

Profissional de marketing, músico e corredor por prazer. Corre na estrada, no monte e de um lado para o outro na vida, atrás e à frente dos filhos.

Ver não é só olhar

Junho 19th, 2019

Manhã de sábado num shopping da cidade do Porto. Uma dezena de crianças brinca no parque de diversões interior. Observo os meus filhos, entretidos um com o outro e com os outros.

Uma menina dança. Interage pouco com os brinquedos e com as estruturas por onde as restantes crianças trepam, deslizam e escorregam. Ela dança. Abre os braços e rodopia. Ocasionalmente, corre. Salta. Uma criança a ser criança.

A mãe, como os outros pais que ali estão, vai alertando: “Cuidado com o bebé, tens um menino atrás de ti…”

Ela sorri e vai saudando as outras crianças. Distribui beijinhos. Uma criança visivelmente feliz.

A dada altura, o Eduardo vem ter comigo. Ela corre atrás dele. Baixo-me em direcção ao meu filho e a mãe da menina, ao meu lado avisa: “Cuidado com o bebé!”

– Olá! – diz-me a menina – como te chamas?

– Olá, sou o António.

– E o bebé, como se chama?

– Eduardo.

– Muito prazer conhecer-vos!

– Igualmente.

E, só neste momento, reparo em algo diferente nos olhos da menina. É cega.

Apesar disso, brinca com a maior naturalidade e exibe uma felicidade contagiante.

Mais impressionante, no bom sentido, é a naturalidade da mãe. Ao contrário do que muitas vezes vemos por aí, não faz questão de “exibir” a diferença da filha. Não tem aquele ar sofrido, de “coitadinha”. Não está permanentemente “em cima” da menina. Não exige mais cuidado aos outros. Pelo contrario. A dada altura, a menina chocou com outra e a senhora pediu desculpa ao pai.

“Desculpe, não foi por mal, a minha filha não vê.”

A criança continuou a brincar. Veio ter comigo mais algumas vezes.

– Sabes, está aqui um colchão. Contas até 3 para eu saltar para cima dele? Quando eu saltar fazes “weeeeee”!

Quando vínhamos embora, perguntei ao Lucas:

– Reparaste que estiveste a brincar com uma menina cega?

– Não… qual delas era cega?

 

Tantas lições em 45 minutos.

A mãe ensinou-nos que a igualdade é mesmo isso: naturalidade. É não querer mais, nem menos.

O Lucas, o Eduardo e as outras crianças ensinaram-nos que quando estamos a brincar, no fundo, a viver a Vida, o que importa é a atitude e não os meios que temos à nossa disposição.

A menina ensinou-nos que “ver não é só olhar”.

P.S. – “Ver não é só olhar” era o título do meu manual de Educação Visual do 5º ano. Fixei este chavão e uso-o muitas vezes.

António Pinheiro

Profissional de marketing, músico e corredor por prazer. Corre na estrada, no monte e de um lado para o outro na vida, atrás e à frente dos filhos.