António Pinheiro

Profissional de marketing, músico e corredor por prazer. Corre na estrada, no monte e de um lado para o outro na vida, atrás e à frente dos filhos.

CONVÉNIO – O Convite

Junho 21st, 2020

O salão estacou.

De cachimbo numa mão e whiskey na outra, David media cada rosto e preparava-se para, perante os seus inimigos, desfiar a história dos seus últimos vinte e três anos.

Pela primeira vez, desde sempre, aludiu à sua patente militar, ainda para mais com o objectivo de reclamar um privilégio. Mas, sentindo a sua vida perto do fim, decidiu ironizar na cara daquela gente que ansiava por lhe deitar a mão.

A audiência dividiu-se entre a estupefacção e a fúria. O desplante do maior inimigo de todos eles. Ester estava prestes a rebentar mas, ali, era a última a falar. Não pertencia à Lux, era agente mercenária, como já tinha sido da Convénio e só por grandes favores na cama de Pôncio podia assistir à cena. Por sua vez, Miriam tremia de medo e de dor, com receio de cruzar, novamente, o seu olhar com o de David.

David começou:

“Verão de 1997. Estava em casa a matar tempo, entediado até aos ossos. A minha vida fora sempre assim. Enquanto os meus amigos namoravam, praticavam desporto, eram músicos, iam de férias com os pais, eu ficava em casa a ler, ver televisão ou, simplesmente a fazer nada!”

Havia dor e rancor na voz de David. Era visível que as memórias que o assaltavam não eram boas.

“As minhas namoradas eram as miúdas da TV ou as modelos do catálogo La Redoute.

Naquele dia, a meio do mês de Agosto, a campainha tocou perto da hora de jantar. Nem me mexi. Os meus pais estavam em casa. Ouvi vozes e, passados uns segundos, a minha mãe chamou-me e, pelo tom de voz, percebi logo que a coisa não era boa.”

Pôncio interrompeu:

“Nós estamos familiarizados com os métodos de recrutamento da Convénio. Por favor, avance!”

“Não! Se não entenderem isto, não entendem nada!”

David, arriscava. A sua voz era já imperativa.

“Estava a dizer… A minha mãe chamou-me à sala. Para além dos meus pais, encontravam-se lá mais quatro pessoas: um homem de fato e olhar distante, um militar (calculo que Marechal… general, no mínimo), um padre (pelo menos, usava gola eclesiástica) e o Saúl, que viria a ser o meu Mentor na Convénio.”

“Sabe os nomes, ou o papel, dos três desconhecidos?”

“Vim a saber mais tarde que eram as Esferas. Apenas isso. Nenhum deles abriu a boca enquanto lá estiveram.”

A existência das Esferas sempre fora um mito para a Lux. Mas Pôncio acreditava na sinceridade de David. Sentia-o no seu íntimo.

“Então… sempre existem.”

“Eu vi-as. Disseram-me quem eram, acreditei. E, depois disso, estiveram em cada segundo da minha vida. Mas… continuando…

Fiquei, como é claro, surpreendido com a cena. O meu pai torcia os dedos das mãos, visivelmente triste, prestes a romper em lágrimas. A minha mãe avançou para a explicação do que se estava a passar.

Pelos vistos, poucos dias depois de eu nascer, aqueles três homens desconhecidos apareceram lá em casa com outro. Na altura foi o outro que falou. Disse aos meus pais que eu era uma criança especial e que deviam proteger-me ao máximo até eu completar 18 anos. Em troca, a minha família iria receber uma generosa quantia em dinheiro, ao longo desses anos e mais ainda ao chegar à maioridade legal e poderiam orgulhar-se do meu futuro brilhante.”

“Disseram a si, ou aos seus pais, porque era especial?”

“Não. Só soube depois, ao chegar à Convénio. Mas voltando à história…

“Nunca disseram aos meus pais porque é que eu era especial. Mas o dinheiro fazia muita falta. Éramos pobres. Os meus pais sofreram muito com o fecho das indústrias nos anos 80. Nunca ganharam mais que o salário mínimo. Eu preparava-me para ir para a faculdade e falei nisso mesmo. Aí, foi o Saúl que falou. Disse-me que eu poderia ir para a faculdade na mesma e fazer a minha vida normal, mas iria passar a morar com eles, indo a casa no Natal e no Verão. Ou seja, aos dezoito anos ia, finalmente, para um colégio interno… quase…”

“E como reagiu a isso?”

“Honestamente? Pensei… «que se lixe!» A minha vida era um tédio, finalmente acontecia algo inesperado e, aceitando o que me estavam a propor, poderia dar alguma folga financeira à minha família… era muito dinheiro!”

David acentuou a palavra «muito».

“E quando foi conhecer a sua «casa» nova?”

“No dia seguinte. O Saúl apareceu à minha porta, num carro espectacular, vidros fumados… Senti-me um gajo mesmo VIP. Lá dentro já vinha o Miguel, no caminho íamos buscar o Emanuel e, por fim, porque morava mais longe, o Caleb.”

“Já conhecia algum deles?”

“O Emanuel. Era meu amigo de infância. Fiquei tão contente, como surpreendido quando o carro guinou em direcção a casa dele.”

“E depois?”

“Fomos para a nossa nova casa e, depois de vocês nos tentarem matar a todos, fizémos a vossa vida negra durante anos!”

CONVÉNIO – A Audiência

Junho 14th, 2020

“Mas o que vem a ser isto?”

Uma voz forte, colocada e afectada, num certo tom “dandy”, ecoou nas profundezas do seu cérebro.

Abriu os olhos e deu por si esfarrapado, no centro de um imenso salão, rodeado por quatro sombras, iguais às que o tinham capturado.

Percebeu que era a sua hora.

“Este homem é o mais alto oficial da Convénio. É nosso inimigo e prisioneiro mas, pelo cargo que ocupa, deverá ser tratado com respeito e dignidade. Levem-no para um banho e para vestir uma roupa lavada e digna. Depois, terei todo o gosto em o interrogar.”

A voz continuava afectada e determinada. David conseguiu sentir a fúria dos soldados que o tinham prendido. Afinal, ele tinha mandado uma série de companheiros deles desta para melhor, não só agora, mas ao longo de muitos anos.

“Olha… lá estão elas…”

O semblante gélido de Ester, contrastava com o ainda presente esgar de dor de Míriam. Não deveria passar tão cedo e não deveria ter passado muito tempo desde que desmaiara.

Fingiu-se fraco, sem forças e deixou-se arrastar pelos soldados.

Levaram-no para um quarto (uma cela?) com cama e uma casa de banho anexa, com um pequeno chuveiro. Havia toalhas e roupa. De facto, não seria um prisioneiro comum e a estadia naquele Palácio seria, no mínimo, interessante.

Tomou um banho retemperante e vestiu as roupas que lhe deram. Calças de ganga simples e uma t-shirt com o símbolo da organização estranha e pouco secreta que agora o capturava: um sol, cortado a meio como se estivesse a surgir no horizonte, com doze raios a despontar para o céu e as letras LUX.

Havia também uma mesinha com chá e café. Serviu-se do chá, do qual era apreciador.

Esperou.

Alguns minutos depois, quatro soldados, visivelmente aborrecidos vieram buscá-lo e levaram-no por uma sucessão de corredores ao imenso salão onde já tinha estado. Percebeu que estava reunido o Estado-Maior da LUX e que, à sua frente, num vistoso trono, sentava-se o dono da voz forte e colocada, o “dandy” que chefiava a estranha e pouco secreta organização, há décadas, talvez séculos.

“David! Finalmente encontramo-nos!”, quase gritou o Grão-Mestre, levantando-se do trono e estendendo a mão em direcção a David.

“Peço desculpa pelos modos dos meus soldados e por não ter conseguido uma farda digna da sua patente mas, muito honestamente, desconheço como são actualmente as fardas da Convénio. Deixe-me dizer-lhe que, apesar de adversários, é uma honra apertar-lhe a mão! Os seus feitos, precedem-no e são admiráveis, mesmo que isso tenha custado muitas vidas à nossa organização.”

David não estranhou os galanteios do homem que tinha à sua frente. Sabia que estava a ser sincero. Pôncio – assim se chamava a personagem que parecia ter parado algures na Revolução Industrial – era famoso por gostar da táctica, da estratégia, do combate, mais do que do resultado final das batalhas.

Apesar de inimigos, o Grão-Mestre da Lux cumpria um escrupuloso código de guerra, que ambas as organizações estranhas e pouco secretas, herdaram de lutas milenares.

Estendeu a mão e retribuiu:

“É uma honra, senhor.”

“Sabe, David, os meus homens, se pudessem, já o tinham morto, não sei antes o torturarem primeiro. Afinal, foram mais de vinte anos de lutas e o senhor ceifou muitas vidas da Lux e não só. Confesso que, também eu, estou ansioso por o castigar e fazê-lo pagar por tudo o que nos fez. Mas antes, sinto que devemos falar sobre tudo o que se passou, não acha? Acho-o uma pessoa fascinante e, neste momento, vale-me mais vivo que morto.”

E, por incrível que pareça, tudo isto foi proclamado num tom jovial. David quase que imaginou um copo de brandy na mão direita de Pôncio.

O diálogo era observado atentamente por Ester e Míriam que ocupavam uma posição lateral. Os oficiais da Lux tentavam, incomodamente, manter a pose do seu líder, mas nos soldados era visível o ódio. David estava a ser analisado de alto abaixo e conseguia ler os pensamentos de todos no salão.

“De facto, temos muito para falar, tanto que serão necessários vários dias.”

“É verdade, meu caro, é verdade. Mas, como sabe, temos, literalemnte, todo o tempo do Mundo.

Podemos começar por umas pequeninas questões?”

“Força.”

Era chegada a hora. Sabia perfeitamente o que lhe iriam perguntar e como iria responder. Portanto, relaxou e divertiu-se.

“Porque se deixou apanhar?”

“Foi uma missão ordenada pelas Esferas da Convénio.”

“As Esferas? Sempre achei que fossem um mito… Então… existem mesmo… e estão a rastreá-lo? São capazes de o vir buscar?

“Como acha que sobrevivemos após o ataque ao Palácio? Foi obra das Esferas. Eu sou obra das Esferas. Quanto ao rastreio, desliguei-o pouco antes de desmaiar.”

“Mas assim, a sua missão deixa de fazer sentido. O objectivo era descobrir onde estamos, certo?

“No momento em que aceitei a missão, deixou de ser da Convénio e passou a ser minha.”

“Porque não matou a Ester e a Míriam?”

“Seria bom de mais para ambas. Quero que a Ester perceba que vale zero à minha beira e que a Míriam sofra mesmo muito.”

“Aqui dentro não vai conseguir nada disso.”

Assim como no jardim, Míriam irrompeu numa gritante agonia de dor. Armas apontaram à cabeça de David mas, ali dentro, o Grão-Mestre tinha poder absoluto.

Pôncio pareceu perder um pouco da portura:

“Não acha pouco cordial atacar um dos meus soldados, na nossa própria casa?”

“Peço desculpa. Foi um reflexo.”

“Porque se desligou da Convénio?”

“Estou farto. Cansado.”

“Não acredito.”

“Pense na minha história, ponha-se no meu papel, sentirá o mesmo que eu.”

“Talvez… Por falar nisso. Está na hora de nos contar tudo. Quantas pessoas compõem a Convénio neste momento?”

“Uma. Eu. Há depois agentes que recruto conforme as missões. Mas já não confio em ninguém.” E olhou para Míriam que se recompunha do último ataque.

“Não acredito.”

“Acha que, na minha posição, iria mentir? Basta um estalar de dedos e eu morro aqui dentro. Na verdade, não tenho nada a perder. Estou nas vossas mãos.”

“Verdade. Admiro a sua coragem e frontalidade.

Tragam uma cadeira a este homem. Vamos ter muito que conversar. Por favor, comece do início. Fale-nos do ataque ao Palácio.Como sobreviveu? Como é que as esferas o salvaram?”

“Sugiro começarmos antes disso. Como fui recrutado. Peça para me trazerem um bom whiskey e um cachimbo, por favor. Já que não tem direito a uma farda decente, David Henriques, Marechal da Ordem Convénio, reclama algum privilégio digno da sua patente militar.”, disse, imitando despudoradamente o tom de voz do seu interlocutor.

CONVÉNIO – A captura

Junho 13th, 2020

“David… juro que não te entendo…”

“Mas vais entender, em breve. Vinte e três anos a, literalmente, dar o corpo às balas, a tudo. Estive quase morto uma série de vezes, vi a morte de frente e mesmo do outro lado. E agora, chegas aqui e pedes-me para me entregar.”

Saúl ficou em silêncio, pois sabia que era verdade. David tinha sido o melhor recruta que já alguma vez tinha visto. O seu futuro como soldado seria, certamente, promissor. Sem dúvida que chegaria a oficial, a líder. Mas tudo se precipitou naquela tarde de Junho, há vinte e três anos, quando o Palácio da Convénio foi atacado e destruído. David fora lançado às feras e agora era um guerreiro solitário que continuava a manter viva a alma de uma organização mais estranha que secreta.

“Eles estão a chegar… Depois dos primeiros cinquenta vêm cem… Já estou habituado a levar no lombo.”

“David, não tornes isto mais difícil.”

“Aviso já: depois de estar lá dentro as coisas serão à minha maneira.”

“Como assim?”

A quietude do jardim foi interrompida por um burburinho de passos, muitos passos. De todo o lado ergueram-se sombras. Os cinquenta.

Da mesma forma que tinha aparecido, Saúl desaparecera. David permanecia calmamente no seu banco de jardim. Fechou os olhos e conseguiu ver claramente os seus cinquenta captores. Em poucos segundos poderia destruí-los, mas a sua mente fixou-se em duas figuras femininas que observavam a cena de longe: Ester e Míriam.

Ambas já tinham trabalhado para ele. Cedo, Ester deixou-se seduzir por uma carreira a solo, trabalhando quase exclusivamente para a organização estranha e pouco secreta que agora o tentava prender. Míriam tinha-o ajudado em várias missões, mas deixou-se seduzir por Ester e acabou por entregar aquele que nunca poderia ser encontrado.

Abriu os olhos e procurou a sua antiga agente. Ela fitava-o ao longe, com o rosto manchado pela culpa. Ester exibia o seu semblante orgulhoso por, finalmente, subjugar o seu antigo chefe. Achava ela…

David sorriu quando cruzou o olhar com Míriam. E, nesse momento, uma dor excruciante invadiu o corpo da mulher. De alto a baixo, cada célula era dor, levando-a a tombar, enquanto se contorcia em espasmos e gritos. Os soldados, apanhados de surpresa, começaram também a cair.

David permanecia calmo e sorridente. Ester avançou em fúria sobre ele, mas um buraco abriu-se sob os seus pés.

“Está na hora de animar isto…” pensou David.

O cenário era bizarro.

Cinquenta soldados fortemente armados, gritando como bebés aflitos, no chão. Uma mulher enterrada com a cabeça de fora, sem se conseguir mexer. Outra mulher num patamar de histeria, para lá da loucura. E um homem calmo, observando a cena a rir às gargalhadas.

“Assim vai ser difícil cumprir o plano do Saúl…”

A sua mente soltou os soldados e iniciou a luta com cada um deles. Os cem já vinham a caminho e, apesar da sua infinita calma, lutar contra cento e cinquenta operacionais, não era fácil. Portanto, tinha que começar a eliminar alguns e depois deixar-se levar, quando o cansaço começasse a retirar-lhe o discernimento. E era importante manter Ester dominada. Acima de tudo, não queria ser preso por ela. Preferia morrer ali mesmo.

O que aconteceu nos minutos seguintes, seria facilmente descrito como um banho de sangue e cabeças decepadas. David, fez o que tantas vezes tinha feito e que até já podia fazer de olhos fechados. A sua espada, que tinha usado pela primeira vez numa noite de Inverno, há vinte e três anos, dançava e rodopiava em todas as direcções, mas com critério bem definido: pescoços.

Mas David nunca deixou de ser humano e os humanos cansam-se. Estava na hora de cumprir o plano e deixou-se atingir, uma, duas, três, muitas vezes… Antes de perder os sentidos conseguiu ver Ester a sorrir e a sair do buraco onde a tinha enfiado. Pelo menos não fora ela quem o prendeu. Via também os espasmos de Míriam a pararem e a jovem recuperar um pouco da lucidez. Viu sombras levantarem-se sobre si. Perdeu o domínio do corpo, da mente e a luz do dia apagou-se.

CONVÉNIO – O banco de jardim

Junho 11th, 2020

Sentou-se no banco do jardim. O mesmo banco de jardim onde, nos últimos tempos, recebia as missões.

O Chefe chegava, ou melhor, aparecia e começava a falar. Falavam muito, como irmãos. Nem pareciam chefe e subordinado.

Mas ele não era um subordinado qualquer. Era único. O último.

Vinte e três anos depois de ter sido recrutado para uma estranha e secreta entidade, mais estranha que secreta, ele era o último. E o Chefe. Personagem etérea que se materializava ao seu lado nas mais estranhas ocasiões, sendo aquele jardim o seu local de eleição.

Outras vezes era quando conduzia.

Naquela tarde, como em tantas outras tardes, sabia que tinha que estar ali. Sabia também o que iria acontecer de seguida, mesmo antes de o Chefe lhe pedir a mais dura das missões, aquela que, como ele, seria a última.

A sua mente vagueava entre o passado e o futuro. Entre tudo o que aconteceu nos últimos vinte e três anos e o que aconteceria nos três meses seguintes.

Finalmente a sua aprendizagem estava concluída e, em breve, o Chefe deixaria de ser Chefe, porque a sua existência, simplesmente, deixaria de ter sentido.

“Boa tarde”.

“Boa tarde, Chefe.”

“Nunca me chamaste «Chefe»…”

“Foi a primeira e a última vez. Acredita, foi mesmo a primeira e a última vez, Saúl.”

“O que queres dizer com isso?”

“Diz-me tu, ao que vens.”

“Tenho uma missão muito importante para nós…”

“Nós? Quem? Eu? Tu? Ou o que resta daquilo a que em tempos pertencemos?”

“Ainda pertencemos, David. Nunca poderás sair do Convénio.”

“Que Convénio? O Convénio morreu, há vinte e três anos, naquela tarde. O que restou depois daí foram quatro putos deslumbrados e assustados. E agora resto eu. E tu.”

“Sabes muito bem que não… tens Agentes…”

“Pára! Que Agentes? As que, neste mesmo jardim, me juraram fidelidade eterna, mas que depois fugiram ou me traíram. Até Cristo teve mais companhia no cimo do Calvário.”

O silêncio instalou-se. Saúl, o Chefe, tinha sido um verdadeiro Mentor de David. Mas este não era mais um adolescente destemido. Tornara-se cerebral e conseguia agora racionalizar tudo o que lhe tinha acontecido, desde que tinha sido recrutado pela Convénio.

“Diz lá… que queres que faça?”

“Precisamos que te entregues. Daqui a pouco, chegará a este jardim uma equipa deles para te levarem. Precisamos que te deixes prender, para te monitorizarmos lá dentro. Pode ser a grande oportunidade para a Convénio voltar a ser o que era…”

“E como é que eles sabem que aqui estou? Eu não sou rastreável. Nunca fui. Por isso é que ainda aqui ando a deambular…”

“Foste traído…”

“…mais uma vez e desta vez pela Miriam.”

“Como sabes?”

“Do mesmo modo que sei que a Ester vem com ela e cinquenta marmanjos, soldados rasos. Os burros ainda não aprenderam que não me apanham assim, mas eu entro no teu teatrinho.”

“David… o que se passa que eu não sei?”

“Vinte e três anos comigo e não me conheces, não me viste crescer, lutar contra esta gente e, acima de tudo, evoluir. Os cinquenta que aí vêm, não vão sobreviver para contar a história e juro-te que a própria Míriam vai desejar ter morrido.”

Vieste para mim

Novembro 21st, 2019

Vieste para mim

Entre a Primavera e o Verão

Com raios de Sol no rosto

E desejo nos braços

Com beijos que me inundaram de uma vida,

…há muito perdida

Senti os teus lábios

Senti a tua pele

Senti o teu sabor

Cada centímetro

Cada poro onde me entranhei

Nas tardes que foram nossas

Nas noites sem fim

Em dias que não começavam

…nem terminavam

porque só nós construíamos o tempo.

Soube que te amaria para sempre e a cada instante

Mesmo quando o Mundo virasse do avesso

Vieste para mim

E como quero que venhas sempre

Pode ser naquele jardim

Que foi nosso por uma eternidade

Ou nas asas das gaivotas

Que contemplavamos depois de amar

Ou nos lençóis enrolados no chão

Pelo nosso desejo que parecia infinito

 

Vieste para mim

E todo me entreguei a ti

Depositei nessas mãos tudo o que sou

Tudo o que quis ser

Tudo o que sonhei ser

Para que com elas

Com artes dos deuses

Me fizesses voar

Tocar as estrelas

Ver Deus nos olhos do amor

Vieste para mim…

Chamei-te sem nome

Abril 23rd, 2019

Chamei-te sem nome

Para um amor que não sonhei

para um amor que queria

para um amor que ardia

 

chamei-te sem nome

e vieste

sem perguntas

e juízos

e juízo

porque o juízo…

…o juízo é amarra que não nos deixa voar

 

chamei-te sem nome

e amei-te

encontrei em cada centímetro de ti

todo o Universo de mim

 

chamei-te sem nome

sem palavras que nos aprisionassem

sem rótulos nem etiquetas

 

chamei-te sem nome

para te chamar Amor!

 

Carta de Amor

Fevereiro 14th, 2019

Porto, 14 de Fevereiro de 2019

Querida Teresa, meu Amor…

Quando era miúdo, adorava escrever cartas. Já escrevi muito para ti, mas nunca te escrevi uma carta.

Passamos o dia conectados, sms, messenger, whatsapp, instagram… mas poucos são os momentos para expressar o quanto nos amamos.

Compras, contas, jantar, fraldas, papas, ensaios, decisões e preocupações, isto e aquilo e “acoloutro”… e quase nos esquecemos do que realmente importa.

Muitos dirão que o Dia dos Namorados é todos os dias e bla, bla, bla, mas qualquer oportunidade para recordar a vida que temos em conjunto é boa. Qualquer oportunidade para te dizer que te amo, mesmo da forma mais lamechas e previsível é boa.

Qualquer oportunidade para recordar a nossa história, o quanto não gostavas de mim quando me conheceste e o Amor que construímos com gestos, palavras, entrega e coragem.

Sim, porque isto de amar e nos entregarmos a alguém requer muita coragem.

Agora, viria a parte cliché de falar dos defeitos e das coisas que, por vezes, não correm também como queríamos; dos erros, das faltas e da culpa… Mas sabes que fico sempre desconfortável nesse momento.

 

Depois de ti sou diferente. Não sei se mudei… Há quem diga que não devemos mudar por quem amamos, devem gostar de nós como nós somos. Mas sinto-me diferente.

Talvez sentirás o mesmo, mas continuo a ver em ti, todos os dias, tudo aquilo que me fez apaixonar.

E agora, com o “upgrade” que corre pela casa, faz birras e nos acorda de noite, nos sorve o ordenado em fraldas e comida, mas que nos deu um novo sorriso.

Lembras-te como elogiávamos o sorriso um do outro? Algum dia sonharíamos que as nossas vidas iriam ser adornadas por um sorriso ainda mais encantador?

Já estou a divagar, a ficar sem caneta e sem papel (curiosa metáfora num texto escrito online) e não te quero cansar mais.

Este dia é longo e ainda temos que trabalhar…

Quero apenas dizer-te que como ontem e como hoje, amanhã serei sempre teu.

Do teu namorado e marido que te ama muito,

António Carlos

 

 

 

O jardim… o deles…

Fevereiro 11th, 2019

Seria de todos e de tantos que por lá passam e passaram.

Mas num cair de tarde que seria o início de uma vida, passou a ser deles.

Cada ramo de árvore, cada flor, cada pedra sobre pedra, cada gota do imenso lago…

O sol quente, o mar ao longe…

O riso dos animais…

Tudo abraçado por dois corações que arriscaram um beijo.

E as crianças que um dia seriam as suas,

…e o chiar das bicicletas e crepitar das folhas de Outono por baixo dos pés de mais um corredor…

“É o nosso…”

…dizem, ao mesmo tempo, pueris e sensuais.

Um beijo que foi o primeiro de tantos.

O fim de tarde que foi o início de uma vida.

António Pinheiro

Profissional de marketing, músico e corredor por prazer. Corre na estrada, no monte e de um lado para o outro na vida, atrás e à frente dos filhos.