António Pinheiro

Profissional de marketing, músico e corredor por prazer. Corre na estrada, no monte e de um lado para o outro na vida, atrás e à frente dos filhos.

O teu filho que me envie o C.V.

Fevereiro 20th, 2019

Foi com esta frase que se iniciou um dos mais curiosos processos de recrutamento em que estive envolvido. Tenho outros que poderei partilhar noutra altura, mas este vem a propósito da recente polémica com a remodelação governamental, que transformou o Executivo numa pequena coutada familiar.

Confesso que não percebo o espanto da populaça. “Então ela é filha do Ministro?”

E então? Não é esta a praxis em Juntas de Freguesia, Câmaras Municipais, Empresas Municipais e outras entidades públicas no nosso país? De onde vem o espanto?

Mas vamos à minha história.

Andava eu ainda a estudar (talvez no último ano do bacharelato) quando o meu pai chega a casa eufórico:

“Imprime o teu curriculum e dá-me, porque vou entregar ao Fulano A, que vai entregar ao Fulano B e vão-te arranjar um lugar na Câmara!”

Como sempre fui um idealista, a minha primeira resposta foi: “Mas eu não quero um tacho…”

Responde o meu pai, sempre pragmático: “Os outros não são mais que tu! Aproveita e está calado!”

Lá preparei o C.V. possível, atendendo a que a minha experiência era zero, imprimi para o meu pai entregar ao Fulano A.

Dias depois, o Fulano B liga-me para agendar uma entrevista, onde teria que convencer o Fulano B, o Fulano C e o Fulano D, do meu potencial para o cargo que procuravam, “mas tu tens mesmo o perfil ideal! é alguém como tu que procuramos!”

Entrevista agendada, dou por mim sozinho e nervoso na sala de espera. Nisto entra a Fulana E, que eu já conhecia de vista e, poucos minutos depois, Fulano F, que também conhecia de vista. No entanto, ambos se conheciam muito bem!

Beijinho, beijinho:

– Então, também por cá? – pergunta ela.

– É verdade! Mas isto é só uma formalidade, porque Fulano G já me disse que o cargo é meu, mas pronto… temos que vir a estas cenas.

E a Fulana E responde:

– Sim, é verdade. Eu também só cá vim porque tem que ser.

Na minha inocência pensei: “se assim é, isto também é uma mera formalidade para mim.”

Não era.

De facto, o cargo (ou cargos) disponíveis foram para a E e o F… eventualmente para mais alguém (dado que foi a época das vacas obesas), não para mim. Graças a Deus, porque hoje não devo favores a ninguém.

É verdade que, durante meses, o Fulano B até fugia quando me via mas, o que mais me chocou foi a falta de pudor daquelas duas personagens, E e F, altamente envolvidas na máquina partidária e que não tiveram o mínimo pejo em assumir a sua cunha e a fantochada daquele suposto processo de recrutamento.

Portanto, já não me chocam os “jobs for the boys, and the girls”.

Hoje em dia tenho um C.V. bem mais rico e, felizmente, sem marca de cunhas.

 

 

 

António Pinheiro

Profissional de marketing, músico e corredor por prazer. Corre na estrada, no monte e de um lado para o outro na vida, atrás e à frente dos filhos.